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'Não poder falar de Brasil para o Brasil é muito triste', diz Bruno Gagliasso

Ator conta sobre projetos no streaming, diz que há censura no Brasil hoje, critica governo Bolsonaro e se empolga ao falar sobre sua meta de plantar 100 mil árvores

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O ator Bruno Gagliasso, 39, afirma que existem diversas formas de se fazer censura no Brasil hoje. Uma delas, diz, é a que o filme “Marighella”, do qual integra o elenco, enfrentou para conseguir ser exibido no país. Após uma série de adiamentos por causa de tecnicalidades envolvendo a Ancine (Agência Nacional do Cinema) nos últimos meses, supostamente por causa do forte teor político da trama, e também pela pandemia da Covid-19, o filme vai estrear no dia 4 de novembro no Brasil.

“É uma nova forma de se fazer censura. Acharam uma maneira burocrática do filme não ir para os cinemas”, diz o ator. O longa estreou no Festival de Berlim em fevereiro de 2019. No mesmo ano, ao menos dois pedidos de recurso para a comercialização do filme foram negados pela Ancine. “Sabe o que é estrear em Berlim e o filme ser aplaudido por mais de dez minutos, depois em Nova York, em Portugal… E no Brasil nada? É muito frustrante, é triste”, segue. “É um filme que retrata a realidade brasileira, que fala sobre o país. E não poder falar de Brasil para o Brasil é muito triste.”

Com direção de Wagner Moura e filmada em 2017, a obra é inspirada na biografia “Marighella — O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, do jornalista Mário Magalhães, e conta a história do guerrilheiro comunista Carlos Marighella, morto pela ditadura militar.

Bruno Gagliasso
O ator Bruno Gagliasso - Thiago Bruno

Nela, Gagliasso interpreta o delegado Lúcio, inspirado em agentes da repressão —e, segundo ele, especialmente no delegado do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) Sérgio Fleury. “Meu personagem é a escória do Brasil. Ele não é um privilégio da ficção, é uma realidade. Hoje, ele com certeza estaria em Brasília, teria algum cargo importante, poderoso. Principalmente neste governo.”

Para a preparação de papéis “intensos, fortes e que exigem”, o ator diz que precisa ficar afastado da família. Ele é casado com a apresentadora Giovanna Ewbank, 35, desde 2010, com quem tem três filhos: Chissomo, 8, Blessings, 6, e Zyan, 1.

Esse foi o caso com “Marighella” e com a série policial espanhola “Santo”, da Netflix. Para essa obra, Gagliasso se mudou para a Europa por quase sete meses neste ano: durante dois deles, ficou sozinho. Depois, a família se juntou a ele. “Ia ser muito difícil ficar longe deles esse tempo todo. Mas precisava também não estar 100% do tempo com eles, porque é um personagem muito denso. Filmava em Madri e ia encontrá-los em Portugal no fim de semana”, diz. Todos têm cidadania portuguesa.

A partir deste mês, a série será gravada em Salvador —ela deve estrear em 2022. Sem dar muitos detalhes, o ator diz que vive um policial federal brasileiro que investiga um narcotraficante. Ele também aproveitou a temporada europeia para participar da minissérie “Operación Marea Negra”, que deve ser exibida na Amazon Prime em 2022. Nela, inverterá os papéis: será um empresário do tráfico.

Depois de 18 anos na TV Globo, Gagliasso deixou a emissora em novembro de 2019 para parcerias com plataformas de streaming. Seus contratos, agora, são por obra. Gagliasso foi um dos primeiros atores a fazer esse movimento. Desde então, seguiram pelo mesmo caminho nomes como Marcos Pigossi, Lázaro Ramos e Ingrid Guimarães. “Foi um movimento de liberdade artística. Não tenho exclusividade com ninguém. Meu compromisso é com um personagem ou história que eu resolva contar.”

O ator conversou com a coluna por chamada de vídeo direto do rancho que está construindo em Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro. Ele diz que é licenciado pelo Ibama e ajuda a reabilitar animais que são apreendidos pelo tráfico e mantidos em cativeiro. Se empolga ao contar que sua “nova missão de vida” é plantar árvores —e que sua meta é chegar a 100 mil delas. Em um ano, foram mais de 6.000 em sua propriedade. “Quero que meus filhos possam passar isso para os meus netos e bisnetos e que eles se lembrem de mim como um plantador de árvores.”

Ele enche o peito para contar da alegria que sente em ser pai —e diz que pede todos os dias à esposa para aumentar a família. “Se você quiser ligar para ela, dar uma força, vou adorar”, segue, entre risos. O caçula nasceu em julho de 2020. “Não foi programado, não esperávamos, o primeiro momento foi um susto. Mas tudo muda o tempo todo, cada filho foi uma novidade. São mudanças boas e assustadoras.”

“Educar é um ato de amor. Principalmente num mundo tão vulnerável como esse em que estamos vivendo, tão delicado. É trabalhoso, mas é prazeroso. E a melhor forma de educar é dar instrumentos para que eles possam se defender”, segue. “E é isso que faço: dou informação, conto histórias, apresento o mundo para que eles sejam livres para escolher o caminho que quiserem seguir e as causas que quiserem defender.”

Os dois filhos mais velhos foram adotados no Maláui em 2016 e 2019, respectivamente. O casal já entrou na Justiça contra ofensas racistas à filha. “Meus filhos são negros. Zyan tem irmãos negros. Não tem como não me envolver. E não só por isso. Sou humano. É uma causa na qual obviamente estou ligado e estarei sempre. Minha filha é menor de idade. O que puder fazer para protegê-la, farei. Quando ela for mais velha e for pesquisar, vai ver que os pais fizeram o que era correto fazer.”

Ele diz que os artistas estão sendo “extremamente atacados” no governo Jair Bolsonaro e que teme pelo setor. “Principalmente tendo um cara como Mario Frias à frente [da Secretaria da Cultura]. Se você faz arte e não tem medo do que está acontecendo com esse desgoverno, desculpa, mas você tem que estar em outro lugar.” Também critica colegas da profissão que não se posicionam. Para ele, não existe “estar em cima do muro”. “Não dá pra falar ‘ah, eu não falo sobre política’. Tá louco, cara? Não se posicionar é escolher um lado. E é o lado da omissão.”

Ele conta que ficou “louco” quando soube da decisão do governo federal de barrar o Festival de Jazz do Capão, impedindo que fosse realizado com recursos captados pela Lei Rouanet. “Se isso não foi censura, o que foi?”. Diz ainda que tentou articular um movimento para arrecadar recursos para o evento. “Aí, meus amigos disseram que o Paulo Coelho resolveu a parada [o escritor doou R$ 145 mil para cobrir os gastos]. Que bom! Se posso fazer alguma coisa, por menor que seja, vou fazer.”

O ator não poupa críticas ao presidente Bolsonaro. “Não consigo nem chamar isso de governo. É desgoverno. Sou a favor de qualquer coisa que tire esse psicopata do poder. Ele não tem capacidade para estar onde está, cometeu crimes e deve responder por eles.” O ator afirma que não acredita que o país está careta. “Nós temos um bosta de um presidente, mas temos uma Pabllo Vittar. O que é ser careta? É o atual governo? O atual governo é criminoso. Estamos vivendo num momento mais sério e mais profundo do que isso. Estamos vivendo um pré-golpe, não enxerga quem não quer.”

E continua: “Existe muita maldade, mas também muita bondade. Existe muita gente pequena, mas muita gente grande. Acredito que o bem vence, sempre. E a arte e a história são implacáveis para contar tudo isso que estamos vivendo”.

Ele é brigado com seu irmão, o também ator Thiago Gagliasso. No fim de 2018, Thiago postou nas redes troca de mensagens com Giovanna em que foram expostas discordâncias políticas —o irmão vocalizava o seu apoio ao então candidato Bolsonaro. “Tem gente que prefere propagar o ódio. Eu prefiro propagar o amor. Quem pesquisar, vai ver que não foi sobre política. A nossa relação é nítida, não preciso ficar falando, alimentando isso”, segue. “Você acha que depois de ter te dado essas respostas poderia ter algum tipo de relação [com ele]? Então pronto”, diz.

Aos 39 anos, diz que está ansioso para se tornar “um quarentão”. “Sempre fui muito hiperativo, de muito movimento. E hoje sei que esse movimento pode ser mais sereno, mais calmo. Acho que a maturidade e as responsabilidades trazem isso”, diz. “A minha parada é fazer arte, é a natureza e estar com a minha família”, segue. “Adoro minha barba grisalha, o meu cabelo. Mas, se ficar careca, vou botar cabelo, entendeu?”, diz, soltando mais uma gargalhada.

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