Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

'O Brasil é hoje um dos países mais execrados do mundo', diz Paulo Coelho

Escritor, que vai doar R$ 145 mil para festival barrado pelo governo Bolsonaro, avalia que não há censura no Brasil e acredita que o país tem hoje dois cartões postais: o desmatamento e a má condução da epidemia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O escritor Paulo Coelho

O escritor Paulo Coelho Niels Ackermann -2018/Rezo

O escritor Paulo Coelho diz que está acompanhando a CPI da Covid pela TV Senado —diretamente de Genebra, na Suíça, país onde mora há quase 15 anos. “Tenho uma antena especial aqui que me dá acesso ao noticiário brasileiro. Tenho que usar três controles remotos para chegar lá, mas vou te mostrar”, diz, entre risos.

Ele liga a televisão e, ao fundo, é possível ouvir a voz do presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD). “Olha só. Tá ouvindo? Foi só ligar a TV que já está no canal certo. Acompanho o Brasil todos os dias”, continua.

Antenado, ficou sabendo pela imprensa da decisão do governo Jair Bolsonaro de barrar o Festival de Jazz do Capão, na Bahia, na Lei Rouanet. O parecer desfavorável apontava uma publicação em rede social em que o evento se colocava como “antifascista e pela democracia” como uma das razões para a negativa.

Dois dias depois, o escritor foi às redes sociais anunciar que doaria, por meio de sua fundação, R$ 145 mil para cobrir os gastos do evento. A decisão teve ampla repercussão. “Não tinha o telefone de ninguém [do festival], por isso postei”, explica ele.

“A Fundação Coelho & Oiticica se oferece para cobrir os gastos do Festival do Capão, solicitados via Lei Rouanet. Entrem em contato via DM [mensagem privada] pedindo a alguém que sigo aqui que me transmita. Única condição: que seja antifascista e pela democracia”, escreveu no Twitter.

O post viralizou —foram mais de 30 mil curtidas e quase 6 mil compartilhamentos. Ele conta que “nem sonhava com a repercussão gigantesca” de seu gesto. “Foi muita surpresa. Mas isso é um bom sintoma, porque mostra que as pessoas não estão aceitando que um cara diga que ‘antifascista e democrático’ é uma coisa negativa.”

“É minha obrigação retribuir ao país que me deu e me dá tanto. Sou brasileiro e para mim isso é um orgulho. Sempre que posso, procuro ajudar”, diz. “O governo vetar porque o evento se colocou dessa maneira é uma coisa muito louca! Li aquele parecer absurdo, que cita [o compositor Johann Sebastian] Bach. O que é isso? É uma barbaridade. Virou qualquer negócio”, continua.

O parecer desfavorável ao evento, elaborado pela Funarte, também era carregado de referências religiosas. Entre elas, frases como “a arte é tão singular que pode ser associada ao Criador” e “por inspiração do canto gregoriano, a música pode ser vista como uma arte divina, onde as vozes em união se direcionam à Deus [sic]”.

“O perigo agora é que tudo é em nome de Deus. Religião não é falar. Espiritualidade é agir”, diz Paulo Coelho. “Essas pessoas se dizem cidadãos do bem e tudo o que elas querem é espalhar o ódio, o desamor. Estão fazendo da religião uma arma de opressão. E isso já aconteceu no passado, mas não pode acontecer no presente. Não estamos mais na Idade Média.”

O secretário especial da Cultura, Mario Frias, chegou a reagir à notícia da doação de Coelho. “Parabéns. Quer fazer evento político/ideológico, faça com seu dinheiro!”, escreveu numa rede social. “Ele falou isso? Que primarismo”, rebate o escritor. “Faço com todo o prazer. Acho que eles entendem tão pouco da Lei Rouanet. A Rouanet não é o governo que está desembolsando. Toda hora aparece um ‘acabou a mamata’. Porra, pelo amor de Deus!”​

Ele também critica os antecessores de Frias na Cultura. Diz que a gestão de Roberto Alvim, demitido da pasta após fazer apologia ao nazismo, “foi um horror”. E questiona se a atriz Regina Duarte está arrependida de sua incursão no governo. “Regina é uma pessoa por quem eu tinha muito carinho e, de repente, acontece isso. Acho que o poder corrompe de uma maneira… E corrompe todo mundo.”

Apesar das críticas à gestão cultural no país, o escritor afirma que é preciso não se vitimizar diante dos ataques que a cultura recebe. “Eu não vou me vitimizar e o festival também não vai. As pessoas já entraram em contato comigo, o dinheiro está pronto para sair assim que eu receber o sinal verde do câmbio”, diz.

“Se o governo ataca a cultura, e daí? Ela sempre foi atacada. A ditadura atacou bastante e de lá saíram Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso. Perigoso não é o Bolsonaro atacar a cultura, mas, sim, coisas como a vacinação, colocando a vida das pessoas em risco.”

Ele avalia que não há censura no Brasil atualmente. “Não há censura, censura. Acredito que há um estrangulamento econômico”, diz. “Por exemplo, não vão censurar um jornal. Mas não vão dar nenhum centavo de anúncio”, continua.

Coelho conversou com a coluna por telefone, direto de sua casa, onde vive com sua esposa, a artista plástica Christina Oiticica. Considerado um fenômeno literário, ele é um dos escritores brasileiros mais lidos internacionalmente —seus livros já venderam 320 milhões de exemplares em todo o mundo.

Ele conta que, assim como sua mulher, já está vacinado contra a Covid-19 —o escritor, que tem 73 anos, recebeu em março o imunizante da Moderna. Diz que ficou mais isolado, em quarentena, em 2020. “Não posso me queixar, já sou uma pessoa isolada. Não de ficar dentro de casa, mas de pegar o carro, ir pro meio do mato, caminhar, respirar ar puro.”

Ele critica duramente a condução do governo Bolsonaro no combate à Covid-19. “Não podia ser pior. E não sou só eu que enxergo isso, é o mundo inteiro. Esses são os dois cartões postais do Brasil hoje: as queimadas e a maneira como o país geriu a pandemia. Todo mundo acha isso uma barbaridade. E vai tentar explicar para eles... ‘Ah, mas vocês elegeram o Bolsonaro’. Eu não elegi ele!”

Diz que até tenta mudar de assunto quando alguém faz alguma pergunta sobre a situação do Brasil sob Bolsonaro. “Pera aí, deixa eu acender um cigarrinho aqui”, diz ele, interrompendo a conversa. E continua: “O país está se desintegrando a olhos vistos. Não há uma pessoa com quem eu converse hoje em dia que não saiba quem é o presidente do Brasil. Hoje, o Brasil é um dos países mais execrados no mundo, por mais que a gente fale coisas para defender. Bolsonaro é a figura folclórica do momento”.

Apesar das críticas, diz que é contra o impeachment do presidente e avalia que isso seria “um erro total”. “Primeiro, ele [impedimento] não passaria [no Congresso]. Segundo, o cara pode jogar uma de injustiçado e essas coisas.” Também diz não acreditar que possa haver um golpe militar no Brasil. “Não vai ter golpe nunca. Pode tentar, mas não vai conseguir. Ele não está com essa força toda.”

E diz que, se o ex-presidente Lula (PT) “ficar quieto”, poderá vencer as eleições presidenciais em 2022. “Pra mim é o seguinte: se a pessoa está se danando, se destruindo, não interfira. É o que o Bolsonaro está fazendo”, segue. “Então espero que o Lula não resolva se meter para acelerar o processo. Lá no fim do ano ele começa a campanha dele. O momento agora é de ver o Bolsonaro meter os pés pelas mãos.”

Ele afirma que figuras públicas devem se posicionar sobre temas políticos e sociais —mas não acredita que isso faça muita diferença na opinião dos outros. “Não acho que as pessoas vão pela cabeça dos influencers, não. Elas são muito independentes”.

Diz que o humorista Paulo Gustavo, morto em maio por Covid-19, é um “mártir”. “Isso fala muito mais do que qualquer opinião de artista. Ele morreu e as pessoas levaram um grande susto e falaram ‘vou me cuidar’.”

O escritor cobra que empresários e figuras públicas brasileiras tenham compromisso social e ajudem o país. “Porra, elas já ganharam tanto dinheiro, vão fazer o que com ele? Não vai levar para o túmulo, então faça uma doação, ajude quem precisa. Embora, quero frisar, exista uma corrente de solidariedade invisível que mantém o Brasil de pé. As pessoas não são tão omissas como a gente quer crer. Elas participam.”

Paulo Coelho diz que quer visitar o Brasil “num futuro próximo”. “Depois que sair essa onda negativa que está pairando sobre o país e afetando todo mundo”, segue. “O Brasil não é o Bolsonaro. Já falei antes: ele vai passar feito uma pedra nos rins. É sofrimento, mas vai passar”, finaliza.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.