Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo
Descrição de chapéu jornalismo mídia

'Não se faz jornalismo jogando para a plateia', diz Adriana Araújo

Nova âncora do Jornal da Band relembra sua tumultuada saída da Record, as críticas que recebeu nas redes sociais e os desafios de criar sozinha uma filha com deficiência

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A jornalista e apresentadora Adriana Araújo na sede da Band, em São Paulo Renato Pizzutto/Band/Divulgação

Nesta segunda (5), Adriana Araújo estreia ao lado de Eduardo Oinegue na bancada do Jornal da Band, que foi totalmente reformulado, do cenário ao conteúdo. Há quase um ano e meio na emissora, a jornalista já comandou o noticiário local Boa Tarde São Paulo, que teve vida curta, e apresentou diversas edições do Canal Livre. Ela celebra a boa fase, depois de sua tumultuada saída da Record no começo de 2021. Suas desavenças com a direção do jornalismo da casa se tornaram públicas, e Adriana virou um dos alvos preferenciais dos bolsonaristas nas redes sociais.

"Eu tive boas oportunidades na Record, mas os últimos anos lá foram muito difíceis", conta ela, em entrevista realizada na sede paulistana da Band. O pomo da discórdia foi a maneira como a emissora tratou a pandemia da Covid-19.

"Milhões de pessoas passavam por uma situação crítica na saúde pública no mundo, não só aqui no Brasil. Não há como você não discordar de uma cobertura que caminha para a omissão. Nem como orientar os seus pais ou avós a tomarem alguns cuidados e depois, como pessoa pública, na frente das câmeras, desinformar. Isso, para mim, é inaceitável."

"As minhas discordâncias internas e o fato de eu ter me posicionado nas redes sociais me geraram problemas, inclusive a minha demissão", prossegue ela. "Daqui a 20, 30 anos, eu quero olhar para trás e sentir que, quando acompanhei um dos momentos mais críticos pelo qual o mundo já passou, eu estava do lado certo da história, ainda que não seja heroísmo. O que eu posso dizer é que durmo tranquila com as posições que tomei. Não me arrependo de nenhuma delas."

A jornalista e apresentadora Adriana Araújo na sede da Band, em São Paulo - Renato Pizzutto/Band/Divulgação

Aos 22 anos de idade, a mineira Adriana já era repórter do Jornal Nacional (Globo) em Belo Horizonte. Permaneceu na função por sete anos e depois foi transferida para Brasília, onde cobriu todo o final do segundo mandato de FHC (PSDB) e o primeiro de Lula (PT). Em 2006, bandeou-se para a Record. Ao longo dos 15 anos seguintes, conseguiu construir uma carreira de destaque no telejornalismo, mesmo que fora da maior emissora do país.

"A Globo é uma grande escola. Ela tem uma estrutura para fazer você dar certo. Longe daquele guarda-chuva, você tem que reaprender a ser profissional, como jornalista atuando no mercado. Foi desafiador, mas eu tenho orgulho dos passos que dei."

Adriana se mostra alarmada com veículos de mídia que distorcem propositalmente a realidade, para só dar a versão que seu público quer ouvir. "Não se faz jornalismo jogando para a plateia. Se você se pautar pelas redes sociais, você esquece o que é notícia."

Ao longo de quase três décadas de carreira, Adriana Araújo também diz ter passado por situações de assédio sexual. "Não há mulher profissional que não tenha sido abusada. Eu nunca fui assediada por nenhum chefe, mas passei por isso no Congresso. Tinha 30 anos quando cheguei em Brasília. Certa vez, um parlamentar tentou me beijar à força na sala de espera de um gabinete. Naquele momento, eu não falei nada. Tinha medo de virar notícia. Hoje, com quase 50, meu comportamento seria outro."

Todos esses desafios profissionais parecem pequenos diante do que ela enfrentou na vida pessoal. Sua filha Giovanna nasceu com hemimelia fibular. Uma síndrome ortopédica rara, em que a pessoa não tem a fíbula ou em que o osso da perna está mal desenvolvido. As funções neurológicas não são afetadas, mas pode haver ausência de dedos: Giovanna tem apenas sete nas mãos e outros sete nos pés, distribuídos de maneira irregular.

Hoje com 25 anos e cursando o último ano de medicina, a jovem precisou passar por dez cirurgias ao longo da vida. Teve alta aos 18 e agora caminha normalmente, com pleno equilíbrio e sem o auxílio de muletas. Mas é claro que não foi fácil. Adriana criou sozinha a filha durante muito tempo, e descreve todo o processo em seu livro "Sou a Mãe Dela" (ed. Globo), publicado em 2020.

"Quando a Giovanna nasceu, em 1997, não tinha como digitar 'hemimelia fibular' no Google. Eu precisei mandar um email para um hospital nos Estados Unidos para saber mais, e a resposta demorou muito", relembra. "É óbvio que o avanço tecnológico tornou a pesquisa muito mais ágil. Hoje você se conecta com pessoas na mesma situação com uma facilidade muito grande. O meu livro ainda estava em pré-venda, e eu já recebia mensagens de mães que passaram por desafios parecidos ou até mais graves. Esse é o lado bom das redes sociais."

"Eu tive medo de mostrar o livro para a Giovanna. Jamais publicaria nada sem a autorização da minha filha, porque essa história também é dela", admite. "No começo, ela resistiu à ideia. Mas depois leu tudo em menos de 24 horas, e então me falou: 'Pode publicar, você tem um livro'."

"Ela imaginou um texto escrito por uma repórter, em ordem cronológica. Mas, na verdade, trata-se de um livro sobre sentimentos. Não é uma história de heroínas nem de vítimas, mas de duas meninas que caminham juntas."

A jornalista e apresentadora Adriana Araújo na sede da Band, em São Paulo - Renato Pizzutto/Band/Divulgação

"Parece que uma pessoa que está na TV tem a vida perfeita. Está sempre maquiada, bem-vestida, e a função de âncora tem status social. Eu quis desmistificar tudo isso. Quis dizer: 'Olha, eu sou aquela que aparece na televisão, mas tenho uma história que você não conhece. Eu sou mãe de uma menina que nasceu com uma deficiência."

Giovanna seria destra, mas treinou para ser canhota e usar a mão esquerda, a única em que tem cinco dedos. Quando pequena, tentou usar uma prótese na direita. Não se adaptou, e conseguiu desenvolver sozinha os movimentos da outra mão. Já adulta e estudando para ser médica, um novo problema apareceu: a ausência de luvas cirúrgicas para pessoas como ela.

Adriana se entusiasma com o assunto. "Conseguimos luvas sob medida para a Giovanna. Passei mais de um ano ouvindo 'não', até encontrar um fornecedor na Malásia. Os moldes são feitos lá e depois enviados para uma fábrica em São Roque, no interior de São Paulo. Contei essa história no livro, e hoje outros médicos com deficiências nas mãos seguiram o mesmo caminho. Cada um deles precisa de um molde específico."

"Não acho aceitável dizer 'não' para uma pessoa só porque ela nasceu com dois dedos. ‘Você não pode ser médico porque não tem luva para você’. Eu fiquei louca no dia em que me falaram isso. Porque inclusão é dizer sim. É perguntar para a pessoa: 'Qual é a sua necessidade especial?', 'Qual é a sua deficiência?', 'O que que eu posso fazer para você ser incorporado ao mundo, ser produtivo e usar os seus talentos?'"

Adriana termina a conversa se dizendo animada com sua estreia no "JoBa", o apelido interno do Jornal da Band. "Eu não sou a única novidade. O cenário e o formato foram reformulados. Mas não é uma mudança completa, porque o jornal já tem uma marca muito importante. O Jornal da Band mostra a força que tem nos momentos de crise, como foi a pandemia. O telespectador confia, porque sabe que estamos do lado da informação."

Já com a terceira presidência de Lula, ela demonstra um otimismo cauteloso. "Ser jornalista no Brasil durante este governo é mais fácil. Acho que não sou só eu que estou sentindo isso. O pessoal que está em Brasília, na linha de frente, cobrindo o Palácio da Alvorada, tem uma relação mais profissional com as fontes."

"Ainda vamos levar alguns anos para entender a loucura que nós vivemos. A falta de bom senso [do ex-presidente Jair Bolsonaro, do PL], a falta de entendimento do que é presidir um país. É necessário olhar para o retrovisor e fazer um balanço, mas também é importante que o novo governo entenda que há uma estrada adiante, que precisa ser pavimentada. A gente passou por uma pandemia, as crianças não foram alfabetizadas, a economia tem que voltar a crescer. Ainda não dá para dizer que a vida melhorou com o governo Lula."

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.