Mônica Bergamo

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Descrição de chapéu Todas mostra de cinema

'A campanha contra a cultura brasileira foi muito bem feita', acusa Renata de Almeida

Diretora da Mostra Internacional de Cinema de SP está entusiasmada com a 47ª edição do evento, que recuperou patrocínios

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Os últimos anos foram muito duros para a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Em 2020, quando ainda não havia vacinas contra a Covid-19, o festival teve que ser realizado inteiramente online. Voltou a ser presencial em 2021, mas as salas só podiam receber metade da lotação normal. No ano passado, teve uma Mostra mais próxima dos padrões habituais, menos num quesito: a falta de patrocínios de empresas como a Petrobras, cortados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro logo no início de seu mandato.

A 47ª edição da Mostra, que começou no dia 19 de outubro e vai até 1º de novembro, já acontece num Brasil sob nova direção. A Petrobras voltou a ser uma patrocinadora master. Novas parcerias foram conquistadas. O número de filmes em exibição, que havia baixado, agora atinge a marca de 349 títulos.

A diretora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Renata de Almeida
A diretora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Renata de Almeida - Mario Miranda Filho/Agência Foto

No comando deste encontro festivo, mas que pode facilmente se transformar num pesadelo logístico, está Renata de Almeida. Ela entrou para o time em 1989, na 13ª edição. Logo começou a namorar Leon Cakoff, criador e idealizador da Mostra, mas os dois nunca se casaram oficialmente. A relação durou 22 anos e gerou os filhos Jonas e Tiago, hoje jovens adultos. Leon morreu em 2011, aos 63 anos, e desde então Renata, que é formada em cinema pela Faap e especializada em documentários pela New School de Nova York, assumiu as rédeas de um dos maiores eventos cinematográficos do país.

A coluna conversou com Renata de Almeida no final de agosto, quando as negociações com possíveis patrocinadores e produtoras internacionais já estavam bem adiantadas. Ela não esconde o entusiasmo por voltar a produzir um evento grandioso, sem tantos perrengues como no passado recente. Ainda haverá, pela primeira vez, uma mini-Mostra em Manaus, com três dias de duração e uma seleção dos filmes exibidos em São Paulo.

"A Mostra é um festival que tem a sua personalidade", diz Renata, em seu escritório no bairro paulistano de Pinheiros. "Esta é a minha queda de braço, nas milhões de reuniões com patrocinadores e parceiros. Não dá para a Mostra virar um ‘promo center’, com banners de marcas. Ela tem que manter o seu perfil."

"Não existe sessão fechada na Mostra, que não dê acesso ao público. No ano passado, um filme nacional badalado distribuiu convites demais, e vieram me perguntar o que iríamos fazer com os VIPs. Eu respondi, ‘problema deles’. Ficaram na fila como todo mundo. Quem tinha ingresso entrou antes. Porque a gente trata o público com muito respeito. É o mínimo, né?".

"Quando eu comecei a trabalhar na Mostra, não se pagava voluntário, não se pagava ninguém. Você ia ao cinema e não havia nenhum monitor disponível. Estavam todos dentro da sala, vendo o filme. Ou então tinha uma moça, daquelas mimadas, deitada num sofá. Se a pessoa não está recebendo, ela acha que vai ganhar de outra maneira."

"Hoje eu pago todo mundo. Se você não paga, só está dando trabalho para quem não precisa. Eu não acredito em trabalho voluntário. Quando rola dinheiro, as coisas ficam mais claras e simples. Já paguei muita gente com meu cheque especial, mas todo mundo tem que ganhar. E eu só consigo pagar porque existem as leis de incentivo à cultura."

"A campanha contra a cultura foi muito bem feita. De repente, até empresas estavam falando mal dos mecanismos de incentivo. Acontece que a cultura não é o único setor da economia que tem subsídio estatal. Mas somos os únicos que dão visibilidade a este subsídio. Você vai ver um filme ou uma peça, e está lá: ‘Ministério da Cultura apresenta’, ou ‘Petrobras apresenta’. O celular que foi montado na zona Franca de Manaus não chega até você com esse tipo de aviso. A alface que você compra no supermercado, também não."

"Não trabalhamos mais com a Lei Rouanet, porque não existe dinheiro mais vigiado. É um pesadelo, são muitas contrapartidas. Você tem que pagar dois tipos de advogado e um contador para conseguir fazer a prestação de contas, porque é tudo muito vigiado. Agora, tem roubo? Tem, mas nos hospitais públicos também tem. E aí, você vai fechar os hospitais?".

"Em 2018, logo antes da eleição do Bolsonaro, nós fomos muito atacados. Ligavam para o escritório e diziam absurdos, como ‘a gente sabe que tem muito veado trabalhando aí’. Eu fiquei assustada, quase chamei a polícia." Mas as ameaças nunca se concretizaram. "O caso mais grave aconteceu com um monitor, que apanhou no metrô só porque tinha um cabelão."

No ano seguinte, Renata percebeu que a Mostra não era o alvo, e sim o cinema brasileiro como um todo. Por isto, fez questão de promover pré-estreias de gala para filmes nacionais como "A Vida Invisível", de Karim Aïnouz, e "Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou", de Bárbara Paz, no Theatro Municipal de São Paulo.

Neste ano, Bárbara faz parte do júri que irá escolher o melhor filme de diretor iniciante, liderado pelo cineasta sérvio Emir Kusturica.

"Quando a Petrobras retirou o patrocínio, eu precisei fazer muitos cortes. Mas cortei só o que afetava menos o público, como passagens e hotel para os convidados. Quase não tivemos convidados nos últimos anos. O que foi uma pena, porque as pessoas gostam do burburinho. E é um ambiente que pode gerar coproduções com o cinema brasileiro."

Renata suspira quando o assunto é o Festival do Rio, que acontece na capital fluminense entre a última semana de setembro e a primeira de outubro. "Eles foram se aproximando cada vez mais da nossa data, que desde 1977 é a segunda quinzena de outubro. Por que não fazem o Festival do Rio no primeiro semestre, em que faz falta um grande evento cinematográfico? O resultado é que ficamos brigando por alguns dos mesmos filmes. E a Mostra faz questão do ineditismo. Temos que pensar nos nossos parceiros. O maior de todos é a própria cidade de São Paulo."

"A negociação com produtoras e distribuidoras é um jogo de pôquer. Tem filme que cobra para estar na Mostra. Outros fazem questão de participar e não cobram nada. Eu tento ser justa com todo mundo."

Hoje em dia, a maioria dos filmes chega à Mostra de maneira virtual, através de links online. Renata é uma fã ardorosa do celuloide e até pretende fazer uma sessão no futuro, na Cinemateca, dedicada a longas rodados em película de 35 mm. Mas não tem a menor saudade do tempo em que era preciso buscar no aeroporto latas pesadíssimas com rolos de filme —e que, pouco tempo depois, deveriam ser despachadas de volta a seus países de origem.

"Um longa-metragem normal ocupava cinco latas, que pesavam 25 quilos", lembra ela, rindo. "Eu ia muito a Viracopos, para liberar algum título preso na alfândega. Uma vez, tive que retirar um filme como produto perecível, para ele poder sair logo."

E quais são os cineastas favoritos de Renata? A princípio, ela tentou sair pela tangente. "Eu amava ‘Era uma Vez no Oeste’ e ‘Era uma Vez na América’, do Sergio Leone. Hoje tenho medo de revê-los e já não gostar tanto. Porque gostar de um filme depende muito do momento em que você está." Insisto, e ela admite. "Adoro o trabalho do Abbas Kiarostami. E também a era de ouro do cinema italiano, com Visconti, Pasolini, Antonioni." O poster da Mostra deste ano traz um desenho de Michelangelo Antonioni. Sua viúva, Enrica, estará presente no festival.

Pergunto se Renata tem tempo de frequentar a Mostra como espectadora. "Olha... eu evito, porque tenho sempre medo de que alguém venha fazer uma reclamação. Durante a Mostra eu estou muito cansada, de pavio curto, e aí pode ser perigoso."

"No ano passado, vieram duas senhoras falar comigo. Eu pensei, ‘lá vem’. Aí uma delas disse, ‘a gente queria agradecer, porque somos muito mais felizes durante a Mostra’. Eu achei tão lindo! E esse é um dos nossos objetivos. Durante 15 dias, deixar as pessoas mais felizes."

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