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Ronaldo Fraga revê briga com Maria Bethânia e decreta fim de era da moda brasileira em livro

Escrito com a jornalista Sabrina Abreu, 'Memórias de um Estilista Coração de Galinha' será lançado na sexta (24), na Flip

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A jornalista e escritora mineira Sabrina Abreu diz ser apaixonada pelo livro "Conversas com Woody Allen", que reúne entrevistas que o autor Eric Lax fez durante 36 anos com o cineasta.

Certo dia, ela conta que teve um insight de fazer uma obra semelhante a partir de conversas com Ronaldo Fraga. Em seu imaginário, Sabrina diz que fantasiou que, assim como Lax e Allen ficaram amigos ao longo das conversas, ela também se tornaria próxima do estilista mineiro.

O estilista Ronaldo Fraga lança o livro 'Memórias de um Estilista Coração de Galinha', feito em parceria com a escritora Sabrina Abreu
O estilista Ronaldo Fraga lança o livro 'Memórias de um Estilista Coração de Galinha', feito em parceria com a escritora Sabrina Abreu - Nino Andrés/Divulgação

A jornalista já tinha entrevistado Fraga em uma outra oportunidade e resolveu mandar um email propondo o projeto. "Um belo dia, me aparece essa doida", diz ele à coluna, entre risos. Em princípio, embora tenha topado, o estilista sumiu. "Mas ela começou a me perseguir. E eu falava: 'Não, menina, a minha vida é muito ordinária. Não tem motivo para escrever um livro'", revela.

Sabrina insistiu, e eles começaram a se encontrar em todos os domingos em que Fraga estava em Belo Horizonte. O estilista afirma que achava que, com o tempo, um dos dois iria desistir.

"Só que, aos poucos, ela foi organizando e entrando nas minhas gavetas. Gavetas que eu já estava dando como perdidas, histórias que eu não dava mais valor", diz.

O sonho da jornalista se realizou. Sim, eles ficaram amigos, e o resultado de nove anos de conversas, o livro "Memórias de um Estilista Coração de Galinha" (editora Autêntica), será lançado nesta sexta (24), na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).

No volume, Fraga revisita sua infância, a militância política, os períodos em que viveu em Nova York e em Londres e o processo de criação de suas principais coleções profissionais, incluindo a primeira, "Eu Amo Coração de Galinha", de 1996, e que dá nome à biografia.

Para o mineiro, quem escreve um livro de memórias como o que ele está lançando "é pretensioso" ou "está decretando algum fim". No seu caso, diz, "é um pouco das duas coisas": uma pitada de pretensão e a sinalização do encerramento de um ciclo da moda brasileira, em que desfiles presenciais faziam sentido porque eram feitos para mil pessoas e contavam com uma produção grandiosa de cenografia, banda.

"Eu tentava levar um universo ali para dentro da passarela. Hoje, os desfiles não são de fato presenciais. Você faz para a tela do celular, para o Instagram", analisa. Para ele, a pandemia foi um marco nesse sentido.

"Eu parti para outra coisa. Parti para a história da vida real. A passarela ficou pequena para mim", completa Fraga.

Ele diz que recebe pedidos das pessoas para que faça mais desfiles. "Eu continuo desenvolvendo meus projetos, fazendo roupas quando tenho vontade, mas em outro ritmo. E hoje estou um homem muito mais feliz com o meu trabalho", salienta.

Além disso, Fraga avalia que o interesse que a moda despertou no mundo por cerca de 40 anos hoje perdeu espaço para outros temas. "O pêndulo de interesses foi para dentro da casa, para a gastronomia e a decoração", afirma.

Apesar disso, o estilista diz que a força da roupa e da moda não vão acabar.

"Memórias de um Estilista Coração de Galinha", afirma Sabrina, é também uma forma de mostrar um Brasil pouco conhecido para muitos brasileiros. O trabalho do estilista tem como uma de suas principais características apresentar referências de lugares que ele conheceu ao redor do país. Fraga já levou para as passarelas, por exemplo, crina de cavalo e lã de São Borja, do Rio Grande do Sul, e couro de peixe do Pantanal.

O estilista afirma que ainda não leu o livro, primeiro por ter confiança em Sabrina. E também porque não queria ter um "olhar de censor".

Ele acrescenta que não escondeu nada de sua trajetória, nem mesmo as polêmicas, como as brigas com Tom Zé e com Maria Bethânia.

"Tudo foi colocado. Os momentos em que eu quebrei, o que deu errado, se tinha dinheiro, se não tinha, os conflitos, o desconforto com a política", afirma.

O desentendimento com Bethânia ocorreu na virada de 2014 para 2015. Fraga tinha sido chamado para fazer uma camiseta em comemoração aos 50 anos de carreira da cantora. Acabou fazendo também parte dos figurinos dos shows da artista, mas houve um problema na entrega das peças. Segundo relata no livro, a costureira de seu ateliê, com medo de as roupas amassarem no envio pelos Correios, colocou os itens em uma caixa mais firme, que era usada para o transporte de vinho.

Bethânia não teria gostado e teria se recusado a usar as peças. "Foi um dos maiores fracassos da minha vida profissional", diz ele na obra. O problema é que Fraga já vinha desenvolvendo toda uma coleção inspirada na carreira da cantora. A saída encontrada por ele foi transformar o trabalho em algo mais amplo.

"A Fúria da Sereia" foi oficialmente apresentada na São Paulo Fashion Week de abril de 2015 como uma ode a Iemanjá e a mulheres fortes e independentes. No livro, porém, ele conta, que toda a coleção foi feita mesmo para Bethânia, mas sem citar o nome dela em nenhum momento. "Ela é a sereia mesmo, as águas do Brasil são dela. É a mágica dela. Mas tem aquela coisa de poder abandonar você no fundo do mar. Não caia no encanto dela, não. Eu caí."

Rever todas essas histórias para o livro teve um quê de autoanálise, segundo afirma Fraga à coluna. "Eu passei a olhar com carinho para a minha trajetória e para as pessoas que cruzaram o meu caminho. Quantos encontros, quantas mortes, quantos xabus e confusões, porque toda coleção tinha uma confusão", diz ele, rindo.

Nessa revisão de sua vida, ele afirma não se arrepender de nada. "Sempre fui destemido e sempre fui fazendo e acreditando que tudo isso é passageiro. Tudo aqui passa como a moda."

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