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João Carlos Martins faz cirurgia de quadril como Lula e interrompe internação para o 'milagre' de reger orquestra

Quatro dias após passar pela 29ª operação de sua vida, maestro faz bate e volta de hospital só para apresentar concerto de Natal ao lado do cantor Péricles

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O maestro João Carlos Martins e o cantor Péricles no palco do Espaço Unimed, em São Paulo, durante concerto de Natal

O maestro João Carlos Martins e o cantor Péricles no palco do Espaço Unimed, em São Paulo, durante concerto de Natal Mathilde Missioneiro/Folhapress

Eram perto das 23h de segunda-feira (11) quando o público ficou de pé para aplaudir o maestro e pianista João Carlos Martins, 83, que tinha acabado de tocar ao piano "A Missão" e um trecho do tema de "Cinema Paradiso", ambas de Ennio Morricone, em concerto no Espaço Unimed, na Barra Funda, em São Paulo. "A gente está vivendo aqui um momento histórico", anunciou o cantor e compositor Péricles ao microfone.

Na plateia, um dos mais emocionados era o ortopedista Giancarlo Polesello. Ele faz parte do que João Carlos Martins apelidou de "dream time", o seu "time dos sonhos". Os médicos Roberto Kalil, Raul Cutait, Francisco Sampaio, Cyrillo Cavalheiro Filho e David Uip completam a equipe que, segundo o maestro, foi a responsável por criar uma verdadeira "estratégia de guerra" para que ele pudesse não só tocar piano, mas estar de pé naquela noite, em cima do palco, regendo a orquestra Bachiana Filarmônica Sesi-SP.

Para isso, teve que usar especialmente os olhos, porque apenas quatro dias antes tinha feito uma cirurgia de grande porte no quadril.

A operação foi muito extensa, e tão delicada, que os médicos avisaram a ele que qualquer movimento errado traria uma dor tão grande que seu grito poderia ser ouvido do outro lado da cidade. A participação no concerto com Péricles, planejada há muito tempo, portanto, deveria ser cancelada.

Mas o maestro, ainda internado, insistiu: queria se levantar da cama para se apresentar com o sambista. Depois do show, ele voltaria ao hospital. E ficaria o tempo necessário para a sua recuperação. Os médicos acabaram concordando. E começaram os preparativos para o bate e volta do hospital.

Foi a primeira vez que João Carlos Martins e Péricles se apresentaram juntos. A parceria surgiu de um sonho do sambista, que queria fazer um espetáculo natalino em ritmo brasileiro. O concerto único foi gravado e deverá ser apresentado no próximo ano na TV. Mas, por pouco, o encontro não aconteceu.

Menos de uma semana antes, ao voltar de uma outra apresentação no Rio de Janeiro, Martins foi direto do aeroporto se consultar com Polesello. "Só eu e Deus sabemos a dor que eu estava sentindo", disse o maestro à coluna.

O médico afirmou que ele precisava se submeter a uma operação para a colocação de uma prótese no quadril —exatamente a mesma que o presidente Lula (PT) fez em setembro deste ano e que foi realizada pelo mesmo ortopedista.

O tempo de recuperação previsto para o procedimento é de seis semanas. Por isso, inicialmente, o maestro cancelou todos os compromissos que teria, inclusive o concerto "Noite Feliz", ao lado de Péricles.

João Carlos Martins mudou de ideia na sexta-feira (8), um dia após a operação. Ele ainda estava internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e conta que deu uma olhadinha na TV. Viu, então, uma cena da novela "Terra e Paixão" (Globo), em que o personagem de Tony Ramos era levado em uma cadeira de rodas. Aquilo ficou na cabeça dele.

Naquela madrugada, afirma, tomou uma decisão: iria, sim, participar do show ao lado de Péricles. E iria reger a orquestra nem que fosse apenas com a expressão dos olhos, caso não pudesse mover o corpo. Após amanhecer, o maestro disse ter entrado em contato com os médicos de seu "dream team". E a tal estratégia de guerra começou a ser traçada.

"Não sei quem é mais louco, se é ele ou se sou eu", afirmou o ortopedista Polesello, entre risos, ao encontrar o músico no camarim apenas duas horas depois de ele sair do hospital, e minutos antes da apresentação de Natal.

"Mas é um risco calculado. É seguro", explicou o médico. "O pós-operatório dele foi espetacular. O maestro é extremamente disciplinado, extremamente focado. Uma pessoa assim, você tem que deixá-la evoluir. Porque, senão, você tira o prazer da vida dela. A gente tem que pesar o quanto você vai deprimir aquele paciente não deixando ele fazer as coisas que deseja, e o que você vai arriscar", detalhou.

Diferentemente do personagem de Tony Ramos na novela, João Carlos Martins não precisou da cadeira de rodas. Ele foi até o palco com o auxílio de uma muleta, seguindo à risca as orientações dos médicos de como deveria se levantar e de que forma apoiar os pés e andar. Foram horas e horas de treino em seu quarto de hospital antes de chegar ao teatro. Tudo para não prejudicar a recuperação da cirurgia. Ele até mesmo subiu uma pequena escada.

Para que tudo corresse bem, contou também com o auxílio fundamental do enfermeiro Claudio Abenante, que ficou o tempo todo ao seu lado, inclusive no palco.

Vestido todo de preto, como os integrantes da orquestra, Claudio ajudou o maestro a subir no púlpito, e ficou sentado entre os músicos durante a uma hora que durou a apresentação. Apesar de também ter vivido um momento único, o enfermeiro disse que manteve seu foco total no maestro. "Eu não tirava o olho dele."

"Ele é super colaborativo e empenhado", acrescentou. O enfermeiro já tinha ficado 15 dias ao lado de Lula no Palácio da Alvorada, em Brasília, auxiliando o presidente em sua recuperação.

Essa foi a 29ª cirurgia a que João Carlos Martins se submeteu. Foi mais uma superação na trajetória do maestro, que já teve três embolias pulmonares, sofreu um acidente que resultou em atrofia dos dedos e uma concussão cerebral causada por um ataque durante um assalto.

Desde criança, Martins também sofre de uma doença neurológica rara e para a qual só recebeu o diagnóstico muitos anos depois, a distonia focal. Para minimizar os sintomas da enfermidade, que causa contrações musculares involuntárias nas mãos, o maestro adotou como estratégia dormir um pouco antes de seus concertos.

Foi ainda deitado no sofá do camarim do Espaço Unimed que ele recebeu os médicos e o cantor Péricles antes da apresentação de Natal.

"Quando eu tinha 18 anos e fui fazer o meu primeiro concerto internacional, falei para o meu empresário uma frase brincando: 'Não se preocupe, eu não vou matar você de vergonha'", relembrou o maestro. "E agora falo para você, Péricles, não se preocupe, não vou matar você de vergonha."

"Eu estou tranquilo. O senhor está muito bem amparado, e todos estamos muito felizes", respondeu o sambista.

Aconselhado por Polesello, João Carlos Martins decidiu que não iria reger a orquestra apenas com a expressão dos olhos, mas também usaria as mãos —o andador ficou posicionado na frente dele para garantir a segurança.

"Se você me perguntar: ‘Vai dar certo?’, eu te respondo: ‘Não sei’. Uma força superior me acompanhou a minha vida inteira nos momentos decisivos. Vai depender dela", disse ele à coluna um pouco antes de subir ao palco.

Após dar tudo certo e sair ovacionado pelo público, João Carlos Martins atribuiu aos médicos e à sua relação de muito amor e confiança com a orquestra Bachiana Sesi-SP o resultado positivo de ter conseguido o que afirma ser a missão do artista: transmitir emoção. "A ciência cura o corpo, a arte cura a alma", afirmou ele.

No dia seguinte ao concerto, o maestro voltou a ser internado no hospital para seguir com a sua recuperação. Teve alta quatro dias depois. "Para a equipe do Sírio, a minha cirurgia foi considerada uma vitória, um milagre de Natal, pois nunca na história do planeta alguém regeu apenas quatro dias após a reconstrução do quadril", disse o maestro.

Questionado sobre o que o move a seguir em frente diante de tantos desafios, ele afirmou que sua obstinação vem do exemplo de seu pai que, antes de completar 40 anos, foi diagnosticado com um câncer de estômago. "Os médicos deram seis meses de vida, mas o meu pai falou: 'É porque vocês não me conhecem'. Ele morreu aos 102 anos em um acidente", contou João Carlos Martins.

"Vem dele esse meu poder de superação. E da minha mãe puxei a espiritualidade. Sou um católico espírita", disse.

"O importante na vida é você se impor a desafios. Desta forma, você passa a ser uma inspiração para você e para muitas pessoas que, às vezes, com problemas menores, acabam desistindo."

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