Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Olimpíadas

Complexo de vira-lata do brasileiro nas Olimpíadas acabou e atletas preparam mente para vencer, diz diretor do COB

Ney Wilson revela que a organização dá cada vez mais importância ao suporte psicológico que os atletas necessitam no momento mais importante de suas vidas, a Olimpíada

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Aos 65 anos, Ney Wilson percorreu todos os caminhos possíveis no circuito esportivo da modalidade a que se dedicou por toda a vida, o judô. Ele foi atleta, treinador da seleção brasileira e dirigente da Confederação Brasileira de Judô (CBJ). Em 2022, assumiu o cargo de diretor de esporte de alto rendimento do Comitê Olímpico Brasileiro (COB).

Um homem de óculos está segurando uma miniatura azul da Torre Eiffel. Ele veste uma jaqueta amarela com o logotipo da marca 'Peak' e o emblema do Comitê Olímpico Brasileiro, que inclui a palavra 'Brasil' e os anéis olímpicos. O fundo é azul escuro.
O diretor de esportes de alto rendimento do COB (Comitê Olímpico do Brasil), Ney Wilson - Alexandre Loureiro /COB

Wilson desembarca na França nesta semana para acompanhar os Jogos Olímpicos de Paris, depois de percorrer outros países visitando os atletas brasileiros que se concentravam na Europa.

Não será a sua primeira Olimpíada. Em 1996, ele comandou a seleção brasileira de Judô que trouxe para casa duas medalhas de bronze. Como dirigente da CBJ, ajudou o judô brasileiro a conquistar 14 medalhas olímpicas.

Desde então, viu muita coisa mudar no circuito olímpico. A saúde mental dos atletas, tratada como um tabu até o passado recente, foi elevada a patamar de extrema necessidade. "Forjar uma medalha leva anos. Mas perder essa medalha pode levar apenas uma noite mal dormida, uma alimentação mal feita na véspera", afirma.

Problemas com a família, cobrança extrema do treinador, paranoia por causa do peso, redes sociais e até festas na Vila Olímpica —tudo pode contribuir para o insucesso no momento em que o atleta tem que fazer a melhor competição de toda a sua vida, afirma Ney Wilson, que conversou com a coluna antes de embarcar para a Europa:

TABU QUEBRADO

Quantos psicólogos acompanharão os atletas em Paris?
Pela missão do COB serão cinco psicólogos, um psiquiatra e um coach. Outras confederações, como a do vôlei de praia, também levarão profissionais para as Olimpíadas. Eu diria que a maioria dos atletas que estão próximos de ganhar uma medalha olímpica tem apoio psicológico. A presença desses profissionais de suporte psicológico é muito maior hoje do que em outros Jogos.

O acompanhamento do atleta por um psicólogo era considerado sinal de debilidade e tratado como tabu. Quando isso mudou?
O tabu existia, e até muito recentemente. Mas ele foi quebrado. O grande boom ocorreu na pandemia [de Covid-19], que foi um marco significativo na valorização da saúde mental.

Houve o entendimento de que o treinamento voltado para a performance, o resultado, é essencial –mas que é importante também manter o equilíbrio. A saúde mental é tão importante quanto a saúde física.

E por que até recentemente não se admitia a necessidade desse suporte?
Existia resistência. E quando o líder de uma modalidade, o treinador, resiste, há um bloqueio. A possibilidade [de acompanhamento psicológico] nem chega ao atleta.

O primeiro trabalho, portanto, é o de convencer a comissão técnica de que a psicologia pode se somar ao treinamento técnico, físico e tático. Depois disso, o atleta precisa aceitar e querer [o acompanhamento].

Há hoje o entendimento de que é preciso olhar não apenas para o atleta, mas sim para tudo aquilo que está em torno dele: a relação com o treinador, com a família, com as exigências da competição.

Vamos examinar o caso dos atletas das lutas, por exemplo, que, além de treinar, precisam controlar o peso corporal. Isso mexe com a cabeça. Ele fica ansioso, muitas vezes entra numa paranoia.
Há casos também em que a relação com a família é conflitante. O atleta não tem apoio em casa, não tem reconhecimento.

Mas esse conflito é comum?
Não é comum, mas existe. Principalmente quando o atleta está naquela fase em que ainda não é um grande expoente. Surge o questionamento: atleta é profissão? Não é. Vou me dedicar a isso, ou vou fazer uma faculdade de direito, de medicina, de engenharia?

O psicólogo, neste caso, pode atuar. É ele que faz a interlocução entre o atleta e tudo o que o cerca. Ele observa especialmente o relacionamento deles com o treinador. Tem atleta que não recebe bem uma colocação mais dura. Ele fica inseguro, ele cai, 'poxa, o treinador não acredita em mim'.

Tem outros que respondem de forma positiva. 'Ah, é? Vou provar para você [treinador] que eu sou capaz.' O psicólogo pode analisar isso e orientar o treinador.

SÓ A VITÓRIA

Há uma preparação para a derrota?
Não. O preparo é para a competição, para o controle da ansiedade, para criar um ambiente em que ele acredite que é capaz de se tornar um medalhista.

Para o atleta olímpico, não existe o ditado 'o importante é competir'. O importante é ganhar. Todos saem do Brasil como atletas olímpicos e querem voltar como heróis, com a glória olímpica, que é a medalha no peito.

Os Jogos Olímpicos têm que ser a melhor competição da vida do atleta. Se isso vai gerar medalha ou não, é uma outra história. Porque às vezes o nível dele ainda não é para ganhar uma medalha. Mas tem que ser a melhor apresentação da vida dele.

O psicólogo tem que equilibrar essa expectativa, sem que isso se transforme em uma forma de cobrança. Porque no esporte de alto rendimento, a cobrança existe de várias formas. Do atleta com ele mesmo, da família quando se despede e diz 'estamos torcendo por você', do treinador, do clube, da seleção, do público.

Para o atleta olímpico, não existe o ditado 'o importante é competir'. O importante é ganhar

Ney Wilson

diretor de esporte de alto rendimento do COB

Pode virar um massacre?
Sem dúvida. Eu sempre digo que o resultado de um jogo olímpico leva anos. Forjar uma medalha leva anos. Mas perder essa medalha pode levar apenas uma noite mal dormida, uma alimentação mal feita na véspera. Todos os detalhes do momento final são importantes.

DISTRAÇÕES

Mas o senhor, que já foi atleta e treinador, pode nos dizer: é possível dormir na véspera de uma competição?
Dá para dormir, sim. Eu não vou dizer que todos os atletas repousam tranquilamente, como se não fossem lutar, nadar, entrar em quadra, competir. Mas quanto maior for o controle que têm sobre eles mesmos, maior a possibilidade de êxito.

E um ponto de atenção é a Vila Olímpica [onde os atletas do mundo todo ficam hospedados]. Ela é um grande parque de diversões, com cinema, shows, piscina, ídolos mundiais de várias modalidades esportivas circulando o tempo todo para tudo o que é lado.

Se o atleta não estiver focado, ele se perde dentro da própria Vila.

Como é esse suporte na prática?
Há atletas, por exemplo, que antes de dormir vão à sala que temos na Vila com os psicólogos e fazem uma sessão de relaxamento ou de meditação. Conjugadas com uma alimentação adequada, elas permitem um bom descanso à noite.

Quais são os problemas mais comuns que surgem numa Olimpíada? Questões com treinadores, com família, distúrbio alimentar, depressão, ansiedade?
Todos esses problemas acontecem. Há ainda as especificidades do momento da carreira em que estão os atletas. Porque a mochila deles vai enchendo.

Quando o atleta é jovem, é solteiro, se ele for chamado para treinar 40 dias na Finlândia, vai com alegria.

Quando começa a ter namorada, esposa, filhos, diz: 'Cara, eu já não aguento mais ficar tanto tempo fora'. Começam outras preocupações. E de novo entra o psicólogo, para que essa mochila não fique pesada demais de ele carregar até a competição.

Quando fazemos uma ação para que os atletas recebam amigos e familiares antes das competições, é exatamente para tirar esse peso também. Para que ele veja que os familiares chegaram bem no aeroporto, que já estão hospedados.

O atleta precisa voltar toda a sua energia para os Jogos. Não pode se preocupar com outras coisas.

TRAUMAS

A ginasta Simone Biles desistiu de competições na Olimpíada de Tóquio para cuidar da saúde mental. Antes dela, o nadador Michael Phelps revelou ter depressão. Foram marcos para que o assunto pudesse ser melhor abordado?
Com certeza absoluta. São dois expoentes mundiais, e a repercussão das falas deles foi imensa. Muitos atletas que tinham dificuldade de se expressar começaram também a dizer o que acontecia com eles. E o caso da Biles aconteceu exatamente nos últimos Jogos Olímpicos, durante a pandemia, que, como eu já disse, foi um divisor de águas neste assunto.

A vida do atleta é muito estressante, é o tempo inteiro em busca de resultado, de performance.

No Brasil, o ginasta Diego Hypólito também revelou que a sua psicóloga foi fundamental para que ele superasse o trauma de duas quedas em Jogos Olímpicos e conquistasse a sonhada medalha.

Você imagina o atleta que fez uma prova e caiu, e que quatro anos depois volta à mesma prova. Se não tiver a cabeça muito bem trabalhada, a possibilidade de insucesso é grande.

É isso o que diferencia um atleta que chega a uma medalha olímpica. O corpo você pode trabalhar. Mas o atleta que não tiver a cabeça de campeão, realmente fica muito difícil. Porque a cabeça te trai na hora.

VIRA-LATA

E aquele folclore que existia de que o brasileiro, quando chegava diante de adversários fortes, eram dominados pelo medo e o derrotismo –o tal do complexo de vira-lata?
Isso aí mudou. Vamos usar o exemplo do tênis de mesa. Os chineses são o máximo neste esporte. Antes, a equipe do Brasil chegava para uma competição, olhava e só admirava, né? Caramba, olha os chineses aqui, olha o que eles usam, o que eles fazem. Hoje esse 'respeito', entre aspas, acabou. O brasileiro Hugo Calderano, que está entre os melhores do mundo, já ganhou de vários chineses por conta disso. Não acha que são imbatíveis e que a vitória é inalcançável.

O complexo de vira-lata então acabou?
Eu diria que sim, que isso mudou completamente. Hoje os brasileiros entram confiantes na competição. [Pensam] 'Eu estou preparado e encaro qualquer nacionalidade de igual para igual'.

Forjar uma medalha leva anos. Perder essa medalha pode levar apenas uma noite mal dormida, uma alimentação mal feita

Ney Wilson

diretor de esporte de alto rendimento do COB

Como os atletas brasileiros lidam com questões como racismo e discriminação? Há algum preparo para isso?
Há cursos para toda a delegação porque a gente entende que é importante o que chamamos de esporte seguro, onde não exista discriminação, onde haja respeito pelo espaço de todos. Racismo, enfrentamento de assédio, temos sido cuidadosos com isso.

Em 2021, em Londres, tivemos o caso da atleta Rafaela Silva, que foi massacrada nesse mundo virtual depois de perder uma luta. Ela foi atacada com uma linguagem agressiva porque é negra e gay, foi um massacre em cima dela.

Segundo informações que tivemos, o Comitê Olímpico Internacional (COI) está trabalhando com Inteligência Artificial (IA) que permitirá que qualquer agressão racista aos atletas seja derrubada das redes.

REDES SOCIAIS

E os atletas usam muito as redes sociais durante os Jogos?
Tem atleta que evita. Mas tem outros que não conseguem desgrudar do celular. Eu penso que isso atrapalha. Se um atleta me pergunta, eu vou sempre aconselhar que ele não entre nas redes sociais durante as competições.

Eu até orientaria que adquirissem um telefone com chip novo que apenas pessoas íntimas pudessem saber o número.

Os comentários nas redes sociais são na maior parte das vezes depreciativos, né? O atleta lê, e são coisas que machucam. Alguns se abalam mais, outros menos. Mas é impossível você ler um comentário extremamente negativo e não se abalar com aquilo.

Eu sempre vou recomendar ao atleta que me consultar: se afaste das redes sociais. Não vão ser 15 dias sem elas que vão te matar.

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