Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Olimpíadas 2024 Judô

Bia Souza diz querer 'gritar na rua' quando sofre racismo, afirma ter aprendido a se amar e adia filhos por novo ouro

Judoca afirma que aclamação do público é 'surreal'

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Paris

A judoca Beatriz Souza, 26, mal conseguia andar na Casa Brasil no domingo (4), quando visitou o espaço organizado pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) para confraternizar com patrocinadores e com fãs que lá estavam para ovacioná-la.

"É surreal!", disse ela à coluna sobre o assédio. "Eu imaginava que isso poderia acontecer, mas vivenciar é diferente. Mas eu nunca vou me incomodar, jamais. A gente luta tanto para que as pessoas tenham empatia com o esporte, e agora isso está acontecendo. E o carinho das pessoas é enorme, e é recíproco", segue.

A judoca Beatriz Souza na Casa Brasil, em Paris - Mônica Bergamo/Folhapress

Bia praticamente não dorme desde que ganhou a medalha de ouro no judô, na sexta (2). "Se juntar esses três dias, não dá quatro horas de sono", afirma.

Com as medalhas de ouro e bronze penduradas no peito, ela conversou com dirigentes do Esporte Clube Pinheiros, onde treina, com empresários, dirigentes do COB, e ainda gravou vídeos para ações de patrocínio.

Depois se sentou em um sofá e falou com a Folha sobre racismo e discriminação, os planos de ter filhos e os projetos profissionais: "Paris mal acabou, mas Los Angeles já está aí", disse ela, referindo-se à cidade que sediará os Jogos Olímpicos de 2028.

Você achou que ia ganhar a medalha de ouro, ou tinha alguma dúvida?
Eu vim atrás do ouro. Eu vim preparada.

Você já falou numa entrevista que cor da pele não ganha medalha, que isso se ganha na raça, na garra. Mas sabe que vai ser mais uma das referências de mulher fora do padrão. O que você espera inspirar?
Eu quero falar que não existe padrão para vencer na vida se você tiver saúde, se amar, se colocar em primeiro lugar, ter perseverança, ter disciplina e correr atrás daquilo que você almeja. Saiba que tudo o que é grandioso não é fácil, não vem fácil, tem que trabalhar muito. Vão ter dias que vão parecer impossíveis [a conquista dos objetivos]. Mas acreditem: é muita dedicação, é questão de fé, de acreditar e de realmente querer e fazer acontecer.

Você já disse anos atrás que passou por um processo de aprender a amar o seu corpo. Você não gostava de você mesma?
Não é que eu não me gostava, mas me achava esquisita. Eu não me sentia dentro do padrão da sociedade. Então a partir do momento em que eu aprendi a me amar, aprendi a amar o meu equipamento de trabalho, isso virou uma chavinha na minha cabeça. E [essa virada] falou que eu tenho que me colocar em primeiro lugar, eu tenho que me amar para poder me sentir amada.

Eu tenho que me aceitar para as pessoas poderem me aceitar. Independente da opinião alheia ou não, a vida é minha. Eu trabalho por mim, e não para ser aceita por uma sociedade. Então para mim, agora, o meu padrão sou eu mesma

É verdade que quando era mais jovem você tinha dificuldade em encontrar lutadoras para treinar?
Então, é que eu era muito… assim, eu nunca fui uma princesinha delicada, né? Eu sempre fui mais grossa, sempre fui mais forte do que algumas pessoas esperavam. Eu não tinha muita noção de controle de força naquela época, eu não sabia a força que eu tinha. Eu só ia para dentro no treino e era isso, então era muito difícil de a galera querer treinar comigo.

Você se sentia mal com isso?
Pior que não, gente, eu não me sentia mal. Mas eu tive pessoas incríveis na minha vida, eu tive excelentes parceiros de treino que sempre acreditaram em mim, que sempre me deram o maior apoio

Já sofreu algum episódio de racismo?
Ah, sempre tem aquela olhada diferente, quando você entra em um lugar muito chique o segurança começa a encarar. Dá vontade de gritar na rua. Mas a gente tem que ensinar a superioridade. Eu acho que [o racismo] tem que ser, sim, enfrentado, não [podemos] deixar passar situação nenhuma, porque a gente não é obrigado a nada. Não pode existir tolerância. É um assunto que tem que ser enfrentado, a gente tem que acabar com essa história

Você viu que a judoca italiana Alice Bellandi subiu as arquibancadas e beijou a namorada dela, uma judoca brasileira, na boca quando ganhou a medalha de ouro? O que você achou?
Eu acho que a vida é delas. Elas têm que se amar. Se elas são felizes, que vivam da melhor maneira que preferirem.

Acompanhou a polêmica envolvendo a lutadora de boxe Imane Khelif, da Argélia, em que alguns questionaram se ela poderia competir no boxe feminino?
Tudo o que foge do padrão da sociedade vira uma questão de grandes críticas. Todo mundo já começa a querer dar pitaco. Surgem pessoas muito ofensivas que não conseguem argumentar, dar uma opinião.

Ela já estava no limite. Eu acho que se as pessoas parassem e cuidassem um pouco mais da própria vida, seria muito melhor. As pessoas têm que criar mais empatia umas pelas outras.

Todo mundo exige respeito, mas ninguém dá o respeito primeiro, né?

Você tem 26 anos. Vai seguir se dedicando integralmente à carreira ou vai dar uma parada para ter filhos [ela é casada com o ex-jogador de basquete Daniel Souza]? O que você vai fazer da sua vida?
Com uma motivação dessas [a medalha de ouro] é focar e pensar, com certeza, em fazer um próximo ciclo [olímpico]. Estou confiante. Paris mal acabou, mas Los Angeles já está aí [a cidade norte-americana será sede dos Jogos Olímpicos de 2028]. Então agora é focar em descansar a mente, aproveitar a família, o marido —e depois voltar mais forte ainda para os tatames.

Você então não pensa em filhos por enquanto?
Penso, penso muito. Mas sinto que não é o momento. Quando tiver vontade eu vou estar preparada para parar e aproveitar e viver isso. Uma coisa de cada vez.

E a tua família? Como que eles reagiram quando você ganhou? Você dedicou para tua avó né?
Todo mundo estava extremamente emocionado. Foi uma conquista gigantesca, não só par mim, mas em nome da minha família. E eu queria muito trazer esse orgulho para os meus pais, honrar o nome da minha família, da minha avó. E fazer eles sentirem muito orgulho de mim.

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