Muniz Sodré

Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”

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Muniz Sodré
Descrição de chapéu Congresso Nacional

Democratas semileais

Ninguém parece contestar a expansão do semiparlamentarismo de proveitos e ameaças

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O fato não é novo, mas o dinâmico ministro da Justiça continua devendo maiores esclarecimentos sobre um ponto deixado em suspenso: o seu não comparecimento, no dia aprazado, a uma sessão da CPI dos atos golpistas na Câmara de Deputados, por alegadas razões de segurança. É certo que ele depois se fez presente, mas ninguém pareceu querer inteirar-se dos detalhes. Sabe-se que em Brasília o ministro virou alvo preferencial de amigos e inimigos. De ataques verbais, supõe-se. Segurança pessoal é outra coisa.

Flávio Dino e Andrei Rodrigues, sentados, conversam com deputados em comissão da Câmara
O ministro Flávio Dino (Justiça) e o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, participam de audiência em comissão da Câmara comandada por Bia Kicis (PL-DF) - Raquel Lopes - 25.out.23/Folhapress

Não se trata de buscar cabelo em ovo, mas o episódio tem gravidade peculiar. Fica na mente a dúvida sobre se o perigo estaria no trajeto ou no interior da Câmara. Uma ameaça real ou suposta a um dos mais relevantes membros do governo deixa inquieta a cidadania democrática. Estranhamente, os parlamentares ouviram a justificativa, e o assunto morreu ali mesmo, por pouco relevante. É como se a lealdade cívica estivesse restrita à esfera da pequena política legislativa.

Afinal, é um novo tipo, inflado, de poder, e ninguém parece contestar a expansão desse semiparlamentarismo de devorismo, arroubos, proveitos e ameaças. Histórico: o governo anterior cavou a brecha, abriram-se jogos vorazes por verbas, e o parlamento emparedou o governo. Os métodos ultrapassam a razoabilidade legislativa. São democratas eleitos pelo povo, dirão os otimistas.

E também democratas semileais, como define Juan Linz, corroborado por Steve Levitsky e Daniel Ziblatt: "membros do establishment político que parecem agir de acordo com as regras da democracia, mas que, discretamente, as violam" (em "Como Salvar a Democracia"). Para esses autores, é gente ambígua e perigosa, que desempenha papel vital no colapso democrático.

O conceito submete-se à prova. Semileais são aqueles, parlamentares ou não, que "negam ou diminuem a importância dos atos violentos ou antidemocráticos cometidos por seus aliados". Empresários e outros membros do establishment podem até não participar diretamente desses ataques, mas semilealdade comporta tolerância e silêncio para com o extremismo. Tentam limpar as mãos com a letra da lei, mesmo cientes de que estão violando o seu espírito, a exemplo dos que investem contra o jornalismo investigativo.

A semilealdade é caminho institucional para a infiltração de organizações criminosas no poder público ou para ciladas burocráticas como a visita da "dama do tráfico" a um ministério. É também porta aberta para violência e ameaças, que perturbam tanto instituições como a política de paz implícita na lealdade democrática. A mesma da frase presidencial aos recém-chegados da Palestina: "Que vocês encontrem no Brasil a paz que nunca tiveram em Gaza".

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