Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu

Desabamento em SP é resultado do desleixo do poder público

Nenhuma das três esferas de governo prioriza políticas para a habitação

O incêndio e o desabamento do antigo edifício da Polícia Federal —uma torre de cristal moderna projetada por Roger Zmekhol, arquiteto francês radicado no Brasil— não é uma tragédia natural nem uma fatalidade, mas um drama social que poderia ter sido evitado.

Ele é resultado do descaso das três esferas de governo na implementação de uma política de habitação nas áreas centrais, que tornaram as ocupações de prédios ociosos a única possibilidade da população de baixa renda morar na região.

O drama desta terça (1º) não pode ser usado para culpabilizar os movimentos que lutam por moradia digna bem localizada nem para impulsionar uma política de higienização do centro. Ao contrário, deve deflagrar iniciativas governamentais para, em conjunto com os movimentos sérios, formular e implementar uma estratégia de produção massiva de habitação social em áreas bem localizadas.

 

É essencial diferenciar os movimentos sociais sérios, que contribuem para o enfrentamento do problema, de estelionatários que ocupam prédios apenas para explorar famílias pobres, cobrando aluguéis de espaços sem segurança.

A ocupação de prédios que não cumprem sua função social se iniciou nos anos 1990. Além de organizar famílias que buscavam um abrigo próximo ao trabalho, os movimentos de moradia denunciavam a especulação e pressionavam o poder público por programas de produção de habitação no centro.

A estratégia deu alguns resultados. O Estatuto da Cidade (2001) e o Plano Diretor (2002 e 2014) criaram instrumentos para combater a especulação com imóveis vazios e subutilizados, como o IPTU progressivo no tempo, e para estimular a produção de moradia em áreas consolidadas, como as Zeis 3 (Zonas Especiais de Interesse Social). Foi regulamentada a dação em pagamento, mecanismo que permite à prefeitura pagar a desapropriação de imóveis com as dívidas do IPTU dos proprietários.

O PDE de 2014 destinou 30% da receita do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano, proveniente da outorga onerosa, e 25% dos fundos das operações urbanas para a compra de terras em Zeis 3. Propôs, ainda, a criação de um programa de locação social nas áreas centrais.

Os governos dispõem, assim, de um arsenal de instrumentos. Mas nunca priorizaram a habitação social no centro. 

O Plano Nacional de Habitação propôs, em 2008, o "subsídio localização", para estimular a produção habitacional nas áreas bem localizadas. Mas, no ano seguinte, o Minha Casa Minha Vida ignorou a proposta, preferindo manter a tradicional localização periférica.

O governo do Estado propôs a PPP da Habitação no centro, mas sua equação financeira inviabiliza o atendimento massivo da população de baixa renda. E a prefeitura, em todas as gestões recentes, tem sido morosa nas iniciativas que realiza na região.

Enquanto isso, a especulação e a falta de moradia no centro inflacionam os aluguéis. Um cômodo de cortiço no centro não sai por menos que R$ 800, enquanto um espaço delimitado por tapumes no edifício incendiado custava R$ 200. Frente a esse valor, é fácil entender porque tantas famílias aceitaram correr o risco que teve esse final trágico.

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