Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

A licença de Covas e a necessidade de se rever a forma de eleição de vice

Em geral, a escolha dos vices se relaciona com acordos partidários, complexa em um país com 33 partidos legalizados

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Independentemente das críticas que tenho feito à gestão de Bruno Covas (PSDB), torço para que o prefeito se recupere do câncer que o afeta e possa cumprir integralmente o mandato que os paulistanos lhe concederam, democraticamente.

Ao contrário de Bolsonaro, que usou a facada para se esconder nas eleições presidenciais, Covas participou de todos os debates e entrevistas durante o processo eleitoral municipal, é conhecido pelos paulistanos e suas propostas (das quais discordo em vários aspectos) foram apresentadas aos eleitores, que o elegeram nas urnas com 60% dos votos válidos no 2º turno.

Ele nunca escondeu dos paulistanos que, desde novembro de 2019, estava em tratamento contra um grave câncer e sempre publicizou esse assunto com transparência. Tem sido irrepreensível nesse aspecto.

Bruno Covas durante a sua cerimônia de posse e a dos 55 vereadores da cidade de São Paulo
Bruno Covas durante a sua cerimônia de posse e a dos 55 vereadores da cidade de São Paulo - Adriano Vizoni - 01.jan.2021/Folhapress

Ademais, no atual quadro político brasileiro, Covas tem se colocado ao lado dos que se opõem ao caráter autoritário e negacionista do governo federal. Na pandemia tem buscado, embora sem muito sucesso, aplicar as medidas recomendadas pela ciência e pelos profissionais da saúde.

E, apesar de ter adotado medidas de caráter neoliberal prejudiciais ao futuro da cidade, como a concessão do Parque do Ibirapuera por 35 anos, não é um conservador nos costumes e na cultura, o que não é pouca coisa no Brasil de Bolsonaro.

Mas nesse momento em que sua saúde se agrava e em que ele tem que se licenciar da prefeitura, espero que por pouco tempo, não tenho como me abster de analisar a situação em que ficará a prefeitura da maior cidade do país e a necessidade de, em uma reforma eleitoral, se eliminar os cargos de vice (prefeito, governador e presidente) e de suplente de senador ou de se alterar a forma como eles são escolhidos.

Tem sido frequente, em todo o país, os vices de cargos majoritários assumirem os governos ou o Senado sendo ilustres desconhecidos da população e sem terem recebido um único voto.

Quem conhece o atual senador por São Paulo, Alexandre Giordano, ex-suplente do Major Olímpio que assumiu um mandato até 2027 com a morte do titular, sem ninguém saber quem ele é? Não discuto seus méritos ou defeitos pessoais, mas é um absurdo ele ser senador, sem ter um único voto enquanto, na mesma eleição, Eduardo Suplicy recebeu 4,7 milhões de votos.

O município de São Paulo tem sido frequentemente administrado por vice-prefeitos. Apenas nesse século, já tivemos dois, Kassab e o próprio Bruno, que governaram por quase três anos com a renúncia dos eleitos, Serra e Doria. Agora, assume interinamente o vice-prefeito Ricardo Nunes (PMDB).

Nunes, ao contrário do prefeito, se recusou a participar de debates e entrevistas públicas. Os paulistanos não o conhecem, com exceção dos que acompanharam seu mandato de vereador, entre 2013 e 2020. Não respondeu às denúncias que lhe foram feitas sobre favorecimento pessoal na gestão de creches conveniadas. Mas não é isso que importa, nesse momento.

O que incomoda, é uma cidade da complexidade de São Paulo, em meio a uma grave crise sanitária e social, ser administrada, ainda que interinamente, por um vice-prefeito que não se apresentou no processo eleitoral, que nunca expôs suas ideias e propostas de gestão para a cidade, que não é uma liderança com amplo trânsito na sociedade e que se recusou a debater e se defender de graves acusações que lhe foram feitas.

Essa situação remete à maneira como são definidos os substitutos de cargos majoritários. Em geral, a escolha dos vices se relaciona a acordos partidários, complexa em um país com 33 partidos legalizados, que nada têm a ver com sua qualificação para o exercício do cargo.

Entra nessa conta o tempo de TV dos partidos, o financiamento de campanhas para os cargos proporcionais, acordos para o apoio em eleições futuras, composições partidárias internas e futuras divisões da máquina administrativa. No caso dos suplentes de senador, tem se constatado com frequência que muitos desconhecidos, desejosos de ingressar nas políticas por cima, fazem polpudas contribuições eleitorais em troca de ocupar essa posição.

Obviamente, quando o titular apresenta uma maior probabilidade de deixar o cargo, como por exemplo, possibilidade de se candidatar a outro cargo, ter idade avançada ou apresentar problemas de saúde, o valor da vaga cresce.

Em São Paulo, consta que o governador João Doria patrocinou Nunes, a contragosto do prefeito e do próprio PSDB, em um acordo com o PMDB e outros partidos da mesma índole e campo político, tendo em vista receber o apoio dessas legendas para a disputa presidencial de 2022. A gestão de São Paulo virou moeda de troca para o governador.

Isso não pode continuar assim. É urgente uma reforma eleitoral que elimine a figura biônica do vice e do suplente, definindo-se outros mecanismos de escolha caso os titulares fiquem impedidos ou impossibilitados de exercer o cargo.

No caso dos governos, o mais correto seria a realização de novas eleições ou, alternativamente, a eleição do vice em voto direto, como determinava a Constituição de 1946. No caso do Senado, na ausência do titular, o mais votado na sequência deveria assumir.

Nessa semana, teremos o terceiro e o quarto orçamentos do país (estado do Rio de Janeiro e prefeitura de São Paulo) administrados por vices que, pessoalmente, não receberam votos para os cargos que vão exercer. No caso do Rio, Claudio Castro (PSC), outro desconhecido, acaba de ser efetivado tendo em vista o impeachment do ex-governador Wilson Witzel.

Por razões de ordem ética, as implicações políticas da doença do prefeito não foram debatidas, à luz do dia, nas eleições municipais de São Paulo. Nem agora, embora os bastidores estejam fervilhantes como nunca. Esperamos a plena recuperação do prefeito. O futuro da gestão da maior cidade brasileira está nas mãos dos médicos e de Deus.

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