Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Mobilidade

Proteger vilas, como a Chácara das Jabuticabeiras, também é um dos objetivos do Plano Diretor de SP

É necessário que existam outras formas urbanas que não seja apenas o tipo de empreendimento vertical

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Nessa segunda-feira (25), o Ministério Público de São Paulo e o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental) deverão debater as regras de tombamento da Chácara das Jabuticabeiras, uma vila residencial com valores ambientais e urbanos que merecem proteção, mas que está inserida na Zona de Estruturação Urbana, junto à estação Ana Rosa, onde o Plano Diretor de São Paulo prevê adensamento populacional e construtivo.

O caso não deve ser tratado como uma questão de caráter local nem como uma disputa entre os interesses específicos de um grupo de moradores, que deseja manter uma privilegiada qualidade urbana em detrimento do interesse público (na linha do NIMBY –"not in my back yard" ou "não no meu quintal"), e os que defendem uma ocupação mais densa, na perspectiva de uma cidade mais compacta, argumento que tem sido utilizado pelo mercado imobliário.

Divisa entre Paraisópolis e Morumbi é um dos exemplos de nimby. Em 2020, um condomínio de luxo tentou interferir no desenho de um parque entre a região rica e a favela vizinha do Paraisópolis
Em 2020, um condomínio de luxo tentou interferir no desenho de um parque entre Morumbi e Paraisópolis - Gabriel Cabral/Folhapress

Abordar a questão sob essa perspectiva seria um equívoco. O caso precisa ser tratado como de interesse público, pois uma cidade como São Paulo precisa ter diversidade de morfologias urbanas, gabaritos e ambiências urbanas. É necessário que existam outras formas urbanas e volumetrias que não seja apenas o tipo de empreendimento vertical que tem sido produzido.

Adensar o centro expandido de São Paulo e as áreas no entorno do sistema de transporte coletivo de massa é um objetivo estratégico do Plano Diretor e uma necessidade inequívoca, na perspectiva de garantir a função social da cidade, dar melhor aproveitamento aos investimentos públicos já realizados e evitar a expansão horizontal da área urbanizada, de consequências desastrosas para a sustentabilidade urbana.

As cinco subprefeituras que formam a região (Sé, Pinheiros, Lapa, Vila Mariana e Mooca) são as mais bem servidas de infraestrutura, sistema viário, áreas verdes e equipamentos públicos, além de concentrar 69% dos empregos e a maioria das estações de metrô.

No entanto, sua densidade populacional (excluindo a Sé, cujas características são muito especificas) é de apenas 97 hab./ha (habitantes por hectare), índice que é inferior à média de toda a área urbanizada de São Paulo (110 hab./ha), segundo o Censo de 2010. A densidade dessa área privilegiada é muito inferior à de subprefeituras de urbanização precária, como Sapopemba (210 hab./ha) e Itaim Paulista (172 hab./ha).

O adensamento dessas subprefeituras periféricas, ocupadas por assentamentos precários como favelas e loteamentos clandestinos, onde o sistema viário é insuficiente, os lotes são pequenos e superocupados, com lajes sobre laje construídas sem segurança estrutural, está longe de ser um padrão para a cidade compacta que almejamos, ao contrário de que dá a entender o artigo "A falácia da verticalização", de vários autores.

Para se ter uma ideia do vazio populacional do centro expandido, basta dizer que o Distrito da Barra Funda, onde ficam estações de metrô e trem, é o de menor densidade demográfica da cidade (25 hab./ha), e que o setor censitário no entorno da estação Vila Madalena tem uma densidade populacional inferior a 50 hab./ha.

Em inúmeras outras estações de metrô e trem, dentro e fora do centro expandido, verificam-se situações semelhantes, lembrando que o quilômetro da linha do metrô custa cerca de R$ 2 bilhões e uma estação algo em torno de R$ 300 milhões. Gastar todo esse dinheiro para atender pouca gente é mais uma manifestação da desigualdade socioterritorial de São Paulo.

Os dados são eloquentes em relação a necessidade de adensamento populacional dessa região, para dar melhor aproveitamento à infraestrutura implantada e aproximar a moradia do emprego, como propõe o Plano Diretor. A tese é correta, independentemente de isso nteressar ao mercado imobiliário, como escreveu o presidente do Secovi, Basílio Jafet no artigo "Sim, no meu quintal".

Então me perguntam: porque você defende a proteção da Chácara das Jaboticabeiras e de outras vilas residenciais, conjuntos urbanos formados por vielas estreitas, sobrados sem recuos e implantados em terrenos exíguos, que configuram um ambiente característico e agradável da São Paulo da primeira metade do século 20?

Em primeiro lugar, porque a cidade, apesar de precisar ser adensada, não pode ser totalmente transformada desconsiderando outros aspectos também relevantes, sob o risco de virar um lugar árido, sem ambiência, identidade e memória. Ademais, as vilas, embora sejam horizontais, ocupam o solo de maneira intensa, com densidade médias.

Isso não passou desapercebido no Plano Diretor. No artigo 21º, ele colocou entre seus objetivos "proteger o patrimônio cultural, ambiental e urbano, a paisagem urbana e as características locais consideradas relevantes".

No Art 76º, parágrafo 1º, estabeleceu que as zonas especiais de proteção cultural (Zepec) e ambiental (Zepam) devem ser excluídas dos eixos de adensamento junto ao sistema de transporte coletivo de massa, enquanto que no artigo 77º determinou que as áreas dos eixos poderão ter seus limites revistos pela LPUOS para excluir quadras ou imóveis considerados de interesse de preservação cultural ou ambiental.

Não se pode utilizar uma diretriz correta do PDE, que é a necessidade de adensar e de conter a expansão horizontal da cidade, para desconsiderar outro objetivo e para justificar a destruição de áreas que têm valor cultural e ambiental e que precisam ser protegidas, como mostra o parecer do Departamento de Patrimônio Histórico no caso da Chácara das Jabuticabeiras.

Isso não significa se contrapor a qualquer processo de verticalização, na linha do NIMBY. Pelo contrario, ao proteger, após amplo debate público, o que de fato é importante para a cidade, ficaria muito mais fácil superar consistentemente as resistências ao adensamento que não se justifiquem por interesse público.

Bairros como o Bexiga, onde o valor patrimonial é indiscutível, precisam ser estudados e debatidos de modo a superar os atuais conflitos existentes na legislação entre a proteção e o adensamento.

Voltando ao centro expandido, existem inúmeras áreas propícias para um adensamento planejado. A antiga orla industrial, que forma um arco no entorno do centro expandido e está subutilizada é a região ideial para uma verticalização ordenada.

Existem milhares de lotes vazios e imóveis subutilizados, inseridos na malha urbana, que devem ser notificados como áreas que não cumprem a função social e ocupados, absorvendo as necesidades de terrenos para novos empreendimentos.

Sem considerar o déficit acumulado, a necessidade habitacional de São Paulo, por demanda demográfica, é de cerca de 300 mil a 400 mil unidades habitacionais por década. Avançar no debate sobre onde essas moradias devem ser implantadas, considerando os diferentes segmentos sociais e faixas de renda, é um grande desafio.

Sem aprofundar essa reflexão, com números realistas de ofertas e demanda, projeções e cenários futuros, o debate urbanístico em São Paulo ficará reduzido, por um lado, aos interesses imobiliários e, por outro, à resistência de vizinhos.

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