Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Mobilidade

No vale-tudo eleitoral, compra de votos com emendas chega ao Casa Verde e Amarela

Uso da máquina e dos recursos públicos fere norma republicana básica

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Desde a democratização, nunca se assistiu tamanha utilização da máquina e dos recursos públicos para influenciar eleições.

A Lei das Eleições (lei 9.504/1997, artigo 73, § 10º) estabelece que os governos não podem conceder benefícios diretamente para cidadãos durante o ano eleitoral. Uma norma republicana básica em um país democrático, como era o Brasil. Era...

A proibição é explícita. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a norma visa "evitar o uso da máquina e de recursos públicos por agentes políticos com o objetivo de alavancar eventuais candidaturas ou de correligionários nas eleições".

O presidente Jair Bolsonaro durante a promulgação da PEC Kamikaze, ao lado de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco - Gabriela Biló - 14.jul.2022/Folhapress

A Instrução nº 0600588 do TSE, que aprovou o calendário das Eleições de 2022, estabelece que a partir de 1º de janeiro de 2022, "fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior".

Mas essa lei virou letra morta no Brasil de 2022, sem que a Justiça Eleitoral e o STF (Supremo Tribunal Federal), intimidados e ameaçados pelo discurso belicoso e violento do presidente e seus apoiadores, tenham tido força e coragem para conter esse uso criminoso da máquina pública ou para impugnar sua candidatura.

A Lei das Eleições ainda está em vigor, mas não está sendo aplicada no país. Como nada acontece, as ilegalidades foram naturalizadas em um país atordoado pelas provocações golpistas e, ainda, pela ilusão (ou ingenuidade) dos que acreditam que as eleições já estariam perdidas para o presidente.

Não estão! Faltam três semanas para o 1º turno e sete até o 2º e as eleições estão sendo fraudadas com ações ilegais que visam mudar o voto do eleitor com a distribuição de benefícios pela administração pública. O arsenal governista não tem limites e, agora, chegou à habitação popular, terreno fértil para o clientelismo.

Depois do aumento do valor do Auxílio Brasil, do vale caminhoneiro e para taxistas, da redução artificial do preço dos combustíveis, da farta distribuição de emendas secretas, etc., o vale-tudo eleitoral aportou no Casa Verde e Amarela, programa habitacional que substituiu o Minha Casa Minha Vida, eliminando o atendimento à população mais pobre (Faixa 1).

A menos de um mês do 1º turno, o governo passou a permitir o uso de emendas parlamentares para distribuir "vouchers" para o pagamento da entrada nos financiamentos habitacionais de pessoas que pretendem adquirir uma casa no Casa Verde Amarela.

A medida foi regulamentada nessa semana por uma portaria do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), fazendo com que políticos possam beneficiar suas bases eleitorais e atender famílias com renda de entre R$ 2.400 e R$ 4.400 mensais (Faixas 1,5 e 2 do Programa)

As emendas dos parlamentares, na prática, serão destinadas diretamente aos mutuários. Os deputados ou senadores indicarão a verba para sua região e as prefeituras indicarão os empreendimentos e as famílias a serem contempladas.

Como se sabe, nas emendas há um conluio entre o parlamentar e os prefeitos para usar os recursos como moeda de troca eleitoral. Com o orçamento secreto, os recursos do Orçamento da União destinados às emendas parlamentares cresceram exponencialmente e estão concentrados na base de apoio ao governo Bolsonaro.

Essa verba, estimada em R$ 30 mil por atendimento, irá se somar de forma cumulativa ao desconto regular concedido a fundo perdido pelo FGTS nos financiamentos do Casa Verde e Amarela, que pode chegar R$ 47,5 mil, dependendo da renda da família (em média, o desconto está em cerca de R$ 22 mil).

Esse benefício adicional, além de romper o princípio de impessoalidade que deve orientar os programas públicos, permitindo que parlamentares definam de forma discricionária quem deve ser beneficiado, desvirtua a estratégia financeira criada pelo Minha Casa Minha Vida.

Nesse programa, as famílias mais pobres (Faixa 1), com renda de até R$ 2.400 recebiam um subsídio com recursos do Orçamento Geral da União (OGU), enquanto as da Faixa 2 (até R$ 4.400) deviam contrair um financiamento subsidiado do FGTS, com o desconto citado.

Ao permitir que recursos do OGU sejam usados, através de emendas parlamentares, para quitar a entrada dos financiamentos das faixas intermediárias, o governo duplica o subsídio para quem já está sendo atendido, enquanto faltam recursos para os mais pobres.

Como se sabe, ao transitar do Minha Casa Minha Vida para o Casa Verde e Amarela, o governo deixou de utilizar os recursos do OGU para atender a Faixa 1, o que afetou inclusive empreendimentos em andamento. Ainda existem 83 mil obras da Faixa 1 paralisadas devido à falta de recursos orçamentários.

Enquanto se autoriza essa farra, o orçamento para a Secretaria Nacional de Habitação, previsto para 2023 pelo governo, é de apenas R$ 82,3 milhões, cerca de 5% do que seria necessário apenas para finalizar obras paralisadas.

Medidas como essas significam o aniquilamento de um programa público que objetivava equacionar as necessidades habitacionais do país e que devia se pautar por critérios sociais e pela impessoalidade.

Enquanto as políticas públicas estão sendo destroçadas, os órgãos de controle estão adormecidos na burocracia ou na omissão, a imprensa, com Redações cada vez mais enxutas, perdeu a capacidade de investigação, o Ministério Público está dominado e o STF, atolado com embates em várias frentes.

Dispersas pelo país, sem controle e sem que os agentes públicos se importem em respeitar as leis, as emendas parlamentares e outras ações governamentais, como a proposta no Casa Verde e Amarela, geram microimpactos eleitorais significativos.

É por isso que as eleições estão longe de estarem definidas. O presidente avança devagar, mas avança. Lula cai pouco, mas cai. Segundo o Datafolha, em 27 de julho, Lula tinha 52% dos votos válidos e Bolsonaro 32%, com 20 pontos de diferença. Seis semanas depois, em 8 de setembro, Lula caiu para 48% enquanto Bolsonaro subiu para 36%, com 12 pontos de diferença.

É uma ilusão achar que, em um país imenso, despolitizado e com tantas necessidades, medidas que injetam dinheiro diretamente no bolso do eleitor não gerem efeitos eleitorais.

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