Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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Nelson Barbosa

A relíquia bárbara

Fim do padrão dólar-ouro completará 50 anos na próxima semana

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Retorno à história do dinheiro porque o fim do padrão dólar-ouro completará 50 anos na próxima semana.

Durante milhares de anos, o dinheiro foi referenciado em ouro e prata. O que nós, economistas, chamamos de padrão ouro só se desenvolveu no fim do século 19, quando as principais economias do mundo abandonaram a prata e passaram a fixar o valor de suas moedas somente em ouro.

Cada país estabelecia o preço doméstico do metal dourado, que, por sua vez, determinava a taxa de câmbio entre moedas nacionais. Para manter a paridade, cada banco central procurava manter uma proporção fixa entre moeda em circulação e ouro depositado no seu sistema bancário, o que, por sua vez, criava um problema: e se o estoque de ouro não crescesse à mesma velocidade que o resto da economia?

Conferência para recuperar a economia norte-americana. A reunião acabou no acordo de Bretton Woods, que fixou o valor do dólar pelo ouro e contou com a atrelação das moedas de 44 países - AFP/International Monetary Fund

Quando o ouro monetário crescia mais rápido do que o volume de bens e serviços na economia, a moeda metálica se desvalorizava, ou seja, o preço das coisas em ouro subia (inflação). Quando o oposto ocorria, o preço das coisas em ouro caía (deflação).

Como só por acidente a oferta de ouro crescia ao mesmo ritmo que o restante da economia, o padrão ouro foi marcado por períodos de inflação e deflação, além de crises bancárias recorrentes quando havia dúvida sobre a capacidade de um banco ou país manter a paridade de sua moeda.

Até a Primeira Guerra Mundial, a maioria das crises foi administrável. O conflito generalizado suspendeu o padrão-ouro, mas na década de 1920 o mundo voltou ao antigo sistema, em bases frágeis. Nos Estados Unidos, houve bolha especulativa e alavancagem financeira crescente.

Quando a crise de 1929 eclodiu, a tentativa de manter o padrão-ouro agravou o problema. Houve corrida bancária em vários países e, para defender o valor de suas moedas, os governos da época inicialmente adotaram políticas restritivas, arrocho fiscal e monetário, aprofundando a recessão. Por esse motivo, Keynes chamou o padrão-ouro de “relíquia bárbara”.

O agravamento da crise levou à suspensão do padrão-ouro nos anos 1930. O processo começou no Reino Unido, seguido pelos Estados Unidos e pela Alemanha. Livre das amarras da paridade, os governos adotaram postura mais ativa na estabilização da economia.

O padrão-ouro continuou suspenso durante a Segunda Guerra Mundial, mas, como hábitos antigos morrem devagar, em 1946 as maiores economias do mundo decidiram ressuscitar o fetiche dourado, com algumas modificações.

No acordo de Bretton Woods, as principais moedas do mundo passaram a ter taxa de câmbio fixa com o dólar norte-americano, que, por sua vez, voltou a ter valor fixo em ouro, mas somente para operações entre bancos centrais.

Para evitar crises como a dos anos 1930, o sistema Bretton Woods também incluiu incentivos à abertura comercial, restrição ao fluxo de capital especulativo e criação do FMI para ajudar países em dificuldade de liquidez.

O Federal Reserve se tornou o banco central do mundo e, entre restringir a oferta de dólares para manter a paridade dólar-ouro e emitir moeda para financiar a recuperação da economia mundial, os Estados Unidos, felizmente, escolheram a segunda opção.

De 1946 a 1971, em teoria, o dólar valia ouro. Na prática, o sistema só funcionava se os demais bancos centrais do mundo não tentassem trocar seus dólares por ouro. Todos os que tinham conhecimento do tema sabiam que o arranjo era temporário, mas ainda assim ele durou mais de duas décadas.

O fim da relíquia bárbara ocorreu em 15 de agosto de 1971, mas deixo isso para a próxima semana, quando concluirei a análise com o “padrão meta de inflação” em que vivemos.

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