Nelson de Sá

Correspondente da Folha na Ásia

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Nelson de Sá

Após dez anos, poucos se batem por Assange ou o jornalismo

Extradição para os EUA começa a ser decidida na segunda, em Londres; documentário retrata 'guerra contra o jornalismo'

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Acaba de estrear em diferentes plataformas o documentário “The War on Journalism”, a guerra contra o jornalismo, sobre Julian Assange, do WikiLeaks, cuja extradição aos EUA começa a ser decidida nesta segunda (7) em Londres.

Visa mobilizar apoio, com entrevistas sobre a década de confinamento de Assange em prisões e na embaixada do Equador. Stella Morris, mãe de dois filhos dele no período, chora: “Passaram dez anos quebrando uma pessoa”.

Julian Assange (à esq.) durante audiência de extradição em fevereiro de 2020, com seus advogados Stella Morris, também sua parceira, e Baltasar Garzón (à dir.) - Reprodução

O que impressiona, de novo, são cenas que revelou em 2010. A começar do histórico vídeo do helicóptero americano em Bagdá, gravando a própria operação que matou 11, inclusive dois jornalistas da Reuters. Outra, reduzida na edição, denuncia criança sob tortura.

A estreia no YouTube foi comentada ao final pelo cineasta britânico Ken Loach (a partir de 43 minutos), de “Eu, Daniel Blake”, Palma de Ouro em Cannes, chocado com o “horror absoluto” das duas cenas. “Não consigo tirar da cabeça a criança de seis anos torturada com uma broca. Isso é impossível. Um crime de guerra. Nós precisamos saber dessas coisas.”

É por elas e pelos documentos militares e diplomáticos que o WikiLeaks publicou então que os EUA o querem, para que seja julgado com base na Lei de Espionagem de 1917.

“Todo mundo sabe a história real: que não é espionagem, é jornalismo”, diz Loach, para em seguida se voltar ao que mais o revolta. “O Guardian, que pegou as matérias dele e o deserdou, sabe. A BBC sabe, todo editor sério de jornal nacional sabe a verdade. Mas eles estão em silêncio.”

Loach e outros que combatem a extradição o fazem quase sempre como vozes isoladas, não institucionais. Jornais anglo-americanos como o New York Times se afastaram de vez em 2016 —quando a divulgação via WikiLeaks de emails da campanha democrata teria levado, segundo a própria, à vitória de Trump.

Mas não se trata dessa controvérsia posterior. O trabalho que realizou em 2010 e que pode terminar condenado como espionagem foi jornalístico.

Daí o risco de se estabelecer precedente para perseguição não somente nos EUA, mas global, Brasil inclusive. O alarme disparou em várias partes, nas últimas semanas, embora não nos veículos maiores.

Peter Oborne, que foi por décadas um dos principais nomes dos conservadores Telegraph e Spectator, escreveu no Press Gazette sob o título “As futuras gerações de jornalistas não nos perdoarão se não lutarmos contra a extradição”.

Diz que a reação seria diferente se o pedido de extradição, por “cometer o crime de jornalismo”, viesse de outro país. “Se a Grã-Bretanha capitular diante dos EUA de Trump, o direito de publicar material vazado, por interesse público, pode sofrer golpe devastador.”

Também no Press Gazette, Alan Rusbridger, editor do Guardian por 20 anos, inclusive do material de 2010, considerou “surpreendente que mais pessoas não vejam como o processo tem implicações para todos os jornalistas”.

Governos pelo mundo “estão ansiosos para proibir reportagens sobre segurança nacional”. E o farão, a partir deste caso, “tornando ilegal até o recebimento de documentos, quanto mais publicá-los”.

Outros jornalistas históricos, como Patrick Cockburn, ex-Financial Times, escrevendo na London Review of Books, defendem Assange. Nos Estados Unidos, uma das poucas é Margaret Sullivan, do Washington Post, falando ao Intercept.

“Cultivar suas fontes e usar criptografia não são só práticas comuns, mas as melhores práticas”, diz ela, listando as ações de Assange que Washington vem tentando definir como espionagem, ou seja, que “o jornalismo é crime”.

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