Nelson de Sá

Correspondente da Folha na Ásia

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Nelson de Sá
Descrição de chapéu toda mídia

Para a África, lição do ômicron é que transparência traz punição

'Pânico' nos EUA e Europa isola África do Sul, Moçambique e outros, em ação que desestimula divulgar variantes

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Como reconheceram alguns veículos europeus em suas próprias manchetes, "el miedo" levou ao fechamento de fronteiras para viajantes do Sul da África, no enunciado do espanhol El País. No alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung, na mesma direção, nenhuma variante "espalhou o terror tão rapidamente".

Não foram só o medo, o terror e o pânico —outra expressão bastante usada na cobertura. Havia também a consciência de que as primeiras doses e agora o reforço, tanto nos Estados Unidos como na Europa, tinham deixado África e outras regiões mais pobres do mundo em segundo plano, com menos imunização.

E agora o "despertador" tocou nas nações desenvolvidas, na expressão da Bloomberg, para lembrar que, "quanto mais tempo se passar com bilhões de pessoas não vacinadas, maior é a chance de o vírus sofrer mutação para variantes mais potentes".

Reuters

Não se sabe ainda se a cepa apelidada às pressas de ômicron é, de fato, mais potente. Mas uma a uma as "nações desenvolvidas" foram batendo suas portas para África do Sul e outros países da região, nas manchetes de New York Times a Times de Londres, nesta sexta (26).

A punição em dobro, das vacinas negadas antes para as fronteiras fechadas agora, assustou o governo sul-africano, que chamou entrevista coletiva online na sexta contra a proibição dos voos que deixam o país. O ministro da saúde descreveu EUA e Europa como adotando ações só instintivas, de "pânico".

E deixou um alerta no ar, quase para si próprio: "É um risco divulgar o que você encontrou". O mesmo fez o prefeito da Cidade do Cabo, numa rádio: "Se seremos punidos por detectar uma variante, nós precisamos saber com o que estamos lidando antes de anunciar para o mundo".

Os políticos ecoavam cientistas sul-africanos como Marc Mendelson, professor de doenças infecciosas na Universidade da Cidade do Cabo, que no Twitter e depois falando ao Financial Times avisou do efeito global dessa "punição por transparência".

A cobertura euro-americana, já tendo naturalizado o privilégio das vacinas para os seus, no último ano e meio, pouco atentou à nova injustiça. Nem é a primeira vez para a África do Sul, na realidade: Quando identificou a variante beta, em dezembro de 2020, o país também se viu na lista de vetos europeus.

Os africanos não estão inteiramente sozinhos. John Brownstein, de Harvard, ao tomar conhecimento do veto americano a África do Sul, Zimbabwe, Moçambique e outros, comentou no Twitter que a ação deverá "solapar o incrível esforço de compartilhamento dos dados".

Pior, tanto Mendelson como Brownstein questionam se o fechamento de fronteiras desacelera a propagação. E outros cientistas, chineses, se somaram a Mendelson no questionamento do impacto maior da variante, pelo que se sabe "até esta altura".

Jin Dongyan, da Universidade de Hong Kong, falou ao Global Times que ainda não há dados mostrando que o ômicron, por exemplo, supera as vacinas atuais. E o imunologista Zhuang Shilihe escreveu no Weibo que mutações demais, como se viu, podem até diminuir a adaptabilidade da variante, que teria dificuldade para se sobrepor à delta.

A nova cepa ainda poderá se mostrar tudo aquilo que a cobertura financeira projetou ao longo do dia, inclusive conter a inflação e a alta nos juros. Mas por enquanto as suas vítimas, mal percebidas no noticiário global, são as populações do Sul da África.

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