Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Visitas noturnas à geladeira

Pizza fria, sanduíche de pão de forma e ketchup: os ingredientes da gula da madrugada

Escrevi que não gostava da palavra “sustentabilidade” em crônicas e imediatamente perdi mil seguidores. Por Deus! Pensei que todos achavam que “sabiá” era mais adequado ao gênero! Não sou contra o planeta, só me invoco com pautas repetidas à exaustão, que podem até fazer as palavras perderem o sentido. Arre!

Sanduíche no pão de forma
Sanduíche no pão de forma - Daniela Carrasco/Folha Imagem

Mas acho que, por honestidade, devo sair do armário. Preciso contar o último segredo: a visita noturna à geladeira nas noites de insônia braba.

Quem nunca? Primeiro vem a ideia. Negativa. “Não vou descer nem morta. É até bom dormir com um pouco de fome.” Só que lá no fundo você sabe que em 15 minutos, no máximo, descerá a escada tentando não fazer barulho nos degraus de madeira para contentar aquele desejo escuro. A fome é uma sensação muito desagradável, a gula noturna, pior ainda.

A minha gula não me permite cozinhar, ligar o gás, nada que seja catalogado como exercício físico. Tem que estar pronto. O primeiro passo para achar a maionese é abrir a geladeira e empurrar bem para dentro a alface e o espinafre e, se porventura houver couve-de-bruxelas, pode jogar fora. Um francês, escritor gourmet, dizia que só quando um país não produzia couve-de-bruxelas é que se podia ser completamente feliz.

Um sanduíche de pão de forma, com casca, tomates maduros cortados grosseiramente e a maionese. Dá até para comer dois desses. Sanduíche de azeitona preta também não é mau. Em último caso, uma latinha de bom atum com cebolas.

Pizza fria se a impressão de fome for mais forte. Qualquer coisa com ketchup, esse molho tão execrado e tão comido. Muito bom. Perdi o meu remorso por achá-lo um molho espetacular quando Jeffrey Steingarten me convenceu que ele nada mais é do que um “suco de tomate frio, espesso, vermelho vivo, doce, picante, ácido, cozido e coado, feito com vinagre, açúcar e sal, temperado com cebola, alho e especiarias como canela, cravo, noz-moscada, pimenta-da-jamaica, gengibre e pimenta-caiena”.

Batatas Pringles, as originais, pode levar para a cama e comer o tubo inteiro que o sono chegará. Muito crocantes. Se não for uma preguiça inabalável, pipoca de micro também é uma solução. É bom deixar passar um pouco do tempo e que se queimem no miolo do pacote, pois as outras ficarão mais macias e todas com certo gosto defumado.

Nesse meu escuro lado B de terror noturno não existem doces. Descer no escuro, só por comida salgada. Agora, se houver chocolates no quarto, tudo bem, pode-se comer a caixa inteira, distraída, pensando na morte da bezerra.

No meio da perversão pode aparecer alguém. Não se incomode nem se assuste, pois provavelmente também não resistiu aos tambores que da geladeira o chamavam para a comilança.

Há gente para tudo na calada da noite. Não sou dos que comem feijão frio ou descascam abacaxi e passam na frigideira com manteiga, apesar de convir que é melhor do que melancia na manteiga.

Um ajudante precioso nessa falta de virtude é um pote cheinho de conserva de berinjela bem feita.

Todos esses vícios alimentares ficam muito bem com uma Coca-Cola diet geladíssima. Comer sempre em pé. Depois dessa farra, todos dormirão como anjos. A volta para o quarto, não se sabe bem o porquê, é feita com aqueles passos sorrateiros e rápidos, olhar furtivo dos que carregam dinheiro na mala.

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