Chegar a uma maratona, aquela prova-fetiche de corrida de 42 km, sem ter treinado distâncias descomunais próximas dessa não costuma ser uma estratégia levada em consideração por 99,9% das pessoas que se aventuram nesse desafio.
Sou o 0,1%. Prazer.
O cânone de treinamento para essa prova, algo que costuma envolver, como já disse aqui, uma preparação meticulosa de meses, sugere uma rodagem de 32 km a 35 km a três ou quatro semanas da maratona.
Corro a SP City, a maratona de inverno de São Paulo, domingo que vem, dia 28, e o máximo que fiz foi um "longão" de 26 km sábado passado.
Como diria José Saramago quando perguntado sobre a revolução cubana: "Até aqui cheguei".
"Longão" é o termo técnico para corrida de maior "volume" semanal do camarada, em geral levada a cabo no fim de semana e em ritmo mais cadenciado; já falo mais disso.
Considero que a partir de uma certa distância não são mais os músculos da perna que precisam estar 100% disponíveis, mas a cabeça. As duas coisas, idealmente, mas a cabeça vem sempre, perdão pela redundância, à testa. Não estou sozinho, creio, na consideração.
Mas parece haver um problema quando você telefona para o brasileiro amador que mais disputou maratonas, o Nilson Lima, e ele te diz que sem treino "não tem milagre".
Vamos imaginar que a frase seja retórica, um clichê dito por ato reflexo, mas o sujeito tem 364 maratonas no currículo, corre 42 km praticamente todo domingo e na sexta-feira ordinária que liguei havia rodado 35km pela manhã em sua Uberlândia natal.
Nilsão corre também a SP City e ontem (domingo, 21) esteve em Presidente Epitácio, onde São Paulo toca o Pacífico, e adivinha? Sim, o cara estava traçando mais uma maratona.
Não que fazer um longão de 32 km ou 35 km seja o sacrifício dos sacrifícios. Os 26 km de sábado não estão assim tão distantes disso, mas o ritmo degringolou bastante no final.
Claro que havia a perspectiva iminente do término — já estava naquela de "deixa eu correr só mais uns 2 'kmzinhos'". E, para ser sincero, eu havia saído de casa pensando em rodar uns "dezoitinhos".
E houve também o fato de eu não ter tomado gole de água algum durante 2h e 14min.
Não é uma estratégia muito comum, e a fisioterapeuta e corredora Raquel Castanharo, a quem vou entrevistar justamente sobre preparação para maratona às 15h no sábado que vem (27) na Expo da SP City, numa promoção de um dos patrocinadores da prova, o Itaú Uniclass, provavelmente vai me advertir pela traquinagem.
Estão todos convidados, mesmo aqueles que não vão participar da prova.
Comecei este artigo inspirado por um dos mais admiráveis sujeitos que conheço, o Iberê de Castro Dias, juiz da vara da Infância e da Juventude de Guarulhos, incansável em seu trabalho pela transformação do destino de milhares de crianças e principalmente adolescentes que precisam de cuidado, carinho, trabalho e adoção.
Iberê já foi mais amigo das maratonas, mas como gosta de imprimir pace 4 às suas passadas, anda hoje mais interessado no contrabaixo, especialmente o de pau. Seja como for, é dele o texto priápico, digo, canônico, sobre o tal longão.
Parte consistente dele está aqui.
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