Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Nosso estranho amor

Paola e Pedro

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Milly Lacombe

Vi Paola pela primeira vez na Redação de uma revista na qual trabalhamos juntas por muitos anos.

Quando cheguei, me disseram que ela era adiretora de arte, mas eu mal sabia o que fazia um diretor de arte e não dei muita bola. Na primeira semana, Paola me chamou para almoçar e, como não fui suficientemente rápida para inventar uma desculpa, tive que ir.

Não gostode almoçar com quem não conheço, porque tenho medo de o assunto acabar antes da água chegar, mas não demorei a descobrir uma das primeiras coisas a respeito da Paola: o assunto não acaba. Devo ter falado três palavras curtas durante o tempo em que ficamos naquele restaurante japonês na Benedito Calixto. Quando voltamos para a Redação, eu sabia de sua vida desde o nascimento.

Esse foi o dia em que, pela primeira vez, escutei falar de Pedro. Pedro habitava o passado de Paola. Era, da forma como ela descrevia, um homem enorme e cheio de peculiaridades. Quanto mais convivíamos, quanto mais Paola falava das coisas da vida —porque é sobre a vida, sobre as dores, as encruzilhadas, as emoções, os desejos e os sonhos que ela gosta de falar—, mais elementos a figura do ex-namorado ganhava em meu imaginário.

Tratava-se de um homem grande, sem dúvida, mas também de um homem bastante específico: todo tatuado, embora trabalhasse no mercado financeiro —o que já me paraceu uma doce contradição—, colecionador de carros antigos, motoqueiro apaixonado por viagens sem destino certo. Mas, a despeito de tantas particularidades, Pedro ficou na minha cabeça como o ex-namorado que, durante uma discussão, saiu do carro no meio da avenida Cidade Jardim numa tarde de sexta-feira qualquer.

Eu não lembro exatamente porque Pedro saiu do carro, mas a história envolvia um congestionamento colossal e uma enxaqueca.

Como Paola é o tipo de pessoa que durante uma discussão fala sem parar nem para recuperar o fôlego, eu mesma já tinha tido vontade de pedir para sair do carro dela algumas vezes. Quando ela entra em transe argumentativo, ninguém mais consegue interromper. E eu imaginei que fazendo isso poderia chamar sua atenção, mas nunca tive coragem de sair andando, como ele fez.

Acho que foi no dia em que soube desse episódio que me apeguei a Pedro. Como tantas histórias e amores que parecem passar para ir descansar confortavelmente no passado, Pedro soava só como mais uma paixão que completou seu ciclo. Mas grandes histórias talvez apenas esperem o momento certo para, quem sabe, terem a sagrada chance de ser retomadas.

Após quase 11 anos sem saber um do outro, Paola e Pedro se reencontraram acidentalmente numa lanchonete numa segunda-feira de fevereiro. Conversaram, trocaram telefones, voltaram a se falar. Pouco tempo depois, começaram a ser e desvendar.

Não demoraram para lembrar das coisas que tinham em comum: uma paixão desmedida pela vida, pela chance de recomeçar, pela oportunidade de sentar, olhar as estrelas e refletir sobre o que fazemos aqui —e, mais ainda, pelo que está por vir.

Paola e Pedro se casaram na Bahia há quatro anos e fizeram dois filhos. Por causa da pandemia, Paola e eu não nos vemos faz um tempo, mas sempre que pode ela liga para dizer que nunca imaginou que pudesse ser tão feliz. “Sou uma sortuda”, repete. Verdade. Uma vida que oferece segundas chances é uma vida que não é rascunho. É uma vida que é arte acabada; uma arte cheia de possibilidades. É preciso muita sorte para encontrar um grande amor; e uma sorte cem vezes maior para reencontrá-lo.

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