— Eu vou dizer a ela o que estou sentindo
— Duvido! Vai nada. Você não vai ter coragem
— Vou. Vou dizer hoje mesmo. Eu fiz o jogo do sim e do não voltando para casa e pensei que se a placa do próximo carro que passasse por mim tivesse os números 4 e 6 então era para eu me declarar.
— Ah, vai que essa placa cruzou seu caminho?
— A placa que passou foi 2323; ou seja: dois mais dois, quatro; três mais três, seis.
— Que lógica maravilhosa. Parabéns.
— Você acha que não falo nada então?
— Pelo amor de Deus! Fala porque eu não aguento mais você me contar essa história de amor à primeira vista que nunca se realizou porque a outra pessoa não faz ideia de que você se apaixonou.
— E se ela não for gay?
— Se ela não for gay, ela pode ser bi, pode ser hétero curiosa, são muitas opções.
— E se ela não estiver a fim?
— Você não vai morrer. Coragem, Nina. Vai lá e diz o que sente. Libera essa energia no mundo, me deixa voltar a ver Netflix em paz. Um beijo.
— Não! Fica aí. Vou mandar a mensagem pra ela e você me faz companhia até ela responder.
— E se ela demorar? Eu tenho que fazer o jantar, minha vida não é te aconselhar.
— Ana, para de ser chata. Ela vai responder. Pera. Eu já tinha feito um texto, vou ler pra você o que escrevi.
— Nina, não! Você já leu esse texto pra mim duzentas vezes. Tá ótimo. Aperta o enviar.
— Tá. Ai, meu pai… Enviando… foi. Foi, Ana!
— Pelo amor da nossa senhora das caminhoneiras, Nina. Que alívio. Me deixa ir fazer o jantar agora.
— Não. Vamos falar de qualquer outra coisa. Eu preciso parar de suar e de tremer.
— Nina, que puta drama dos infernos. Vem cá: você nunca foi rejeitada?
— Não…
— Menina do céu, mas você tem quase 35 anos. Como assim?
— Eu nunca me declarei para outra pessoa, então não tem como ser rejeitada, né?
— Que ego monumental, hein?
— Ah, tá. Agora você vai torcer para ela me rejeitar para eu aprender uma lição?
— Não vou não porque isso me custaria mais semanas escutando sua dramatização.
— O que eu faço se ela disser não?
— Você faz como eu faço: “o não eu já tenho, agora vou atrás da humilhação”.
— Eita, Ana. Você já foi muito rejeitada?
— Opa.
— E você fica numa boa?
— Claro que não. É horrível. Medonho. Eu fico no chão, me acabo, me dilacero.
— Não quero sentir isso não, Ana.
— Amiga, a alternativa é se fechar, é se acanhar, é deixar de tentar. Parece segurança, mas tá mais pra covardia.
— Se ela me der um toco, como vou olhar na cara dela no trabalho amanhã?
— Com a expressão de uma pessoa que teve a ousadia, a petulância de se colocar em uma situação de vulnerabilidade. Com essa cara. E outra: o universo tende a recompensar a gente de alguma forma, sabia?
— Ah, tá bom. O universo vai me dar um aumento de salário se eu levar um toco? — Não quero recompensa, quero que ela me queira.
— Para de drama, Nina. Se ela não quiser pega o não e se apropria dele. É teu. E só é seu porque você ousou declarar amor. Porra, Nina, olha em volta. Olha esse mundo. Declarar amor é coisa pra caramba. Que mal você tá cometendo?
— O de deixar a outra pessoa sem jeito.
— Nina, você tá dizendo pra ela que você está apaixonada. Você tá rendendo uma homenagem. É só uma declaração de desejo. Se não for recíproca, a vida segue com você tendo confessado amor, olha que coisa linda.
— Ela nem visualizou a mensagem.
— O mundo não vai acabar se ela disser não, e nem vai se curar se ela disser sim. Se esse for seu primeiro toco, eu espero que ele não te paralise e que sirva de aperitivo para uma vida de mais declarações e saltos no abismo. Viver sem saltar é viver uma vida pequena demais.
— E se eu me estatelar?
— E se você voar?
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