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Leandro Beguoci é diretor editorial de Nova Escola (novaescola.org.br). Ele explica sobre o que funciona (e o que não funciona) na educação brasileira.

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Sem boas escolas públicas, o Brasil acredita em qualquer coisa

As bolhas crescem num ambiente em que todos são desconhecidos uns dos outros

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Durante uma década e meia, votei na mesma escola pública em que fiz parte da educação infantil e os quatro primeiros anos do ensino fundamental. Era uma forma tanto de manter os laços com a cidade em que cresci quanto um exercício de nostalgia. Adorava voltar ao prédio, entrar nas salas e relembrar aqueles momentos da infância. Foi naquelas lousas que aprendi as quatro operações e a história do meu município. Foi num daqueles banheiros que descobri como fazer canivetes com tubo de caneta e lâmina de apontador. Era o começo dos anos 1990, anterior à progressão continuada.

Me lembro bem. Eu tinha nove anos e dividia sala com adolescentes de 14, 15, 16 anos. Em vez de repetir só ao final de cada ciclo, como é hoje em muitas cidades e estados pelo país, os alunos estavam sujeitos à reprovação todos os anos. Muitos ficavam para trás, formando um caldo de ressentimento e frustração que explodia de tempos em tempos.

Na prática, a pedagogia era refém da disciplina. Os professores ameaçavam os estudantes com notas baixas e retenção. Era uma tática muito usada e, ao mesmo tempo, inútil. Os repetentes, como os chamávamos, continuavam sem aprender com os professores, mas passavam a ensinar outras habilidades às crianças.

A minha vida certamente teria sido melhor sem essa violência na infância —assim como a vida de muitas crianças e adolescentes do Brasil de hoje seria melhor se elas tivessem condições mais dignas para aprender. Embora a educação tenha avançado da minha época para cá, ainda há muito a fazer. Ao longo de 2019, vou continuar escrevendo aqui sobre as urgências brasileiras. Mas, nesta primeiro texto do ano, quero ressaltar o outro lado da escola pública.

Obviamente, a escola não tinha apenas violência. Eram os primeiros anos da universalização do acesso, e muitos dos meus colegas eram os pioneiros da família a entrar numa sala de aula. O filho da professora (eu), do comerciante, do pedreiro e do lixeiro compartilhavam a mesma sala. Havia crianças brancas e negras, filhas de migrantes do Nordeste e netas de imigrantes da Itália. Havia um aluno que se descobriria transgênero muitos anos depois. Eu não sabia disso na época, mas a escola era o meu encontro com o Brasil.

Ali, naquela escola no bairro do Serpa, em Caieiras, eu começaria a entender que o mundo era muito maior do que a minha família e muito mais complexo do que as minhas relações pessoais. Obviamente, eu não tinha noção de tudo isso ainda. Mas, com os anos, ela foi ficando clara –especialmente à medida em que meu mundo foi diminuindo.

Em 1993, meus pais me tiraram da escola pública. Eu ganhara uma bolsa de estudos num colégio particular da cidade e, apesar do ensino ser do mesmo nível, ao menos não havia riscos de eu chegar em casa machucado. Foi um choque.

Embora estivesse a 30 minutos de caminhada de casa, as salas de aula eram muito diferentes. A diversidade era menor e a quantidade de experiências, de origens, também. Quando passei na universidade, a sensação se agravou. O meu conhecimento aumentava, mas o Brasil com quem eu pareava as mesas, não. Eu agradeço à escola pública por ter me ensinado, mesmo sem querer, a noção de bolhas muitos anos antes de existir os muros invisíveis das redes sociais. Foi uma das maiores lições que tive na vida.

Por isso, defendo a existência e o fortalecimento das escolas pública. Nenhuma outra instituição é capaz de responder com mais força às divisões, às bolhas e à insanidade quanto os lugares nos quais pessoas tão diferentes vão para aprender juntas.

Sim, o Brasil não vai virar um país melhor apenas com boas escolas. A educação não é a resposta para todos os nossos dilemas. Porém, sem boas salas de aula, o país é apenas um rascunho do que poderia ser. Ele se olha no espelho e é incapaz de se enxergar. Perdido, fica disposto a seguir qualquer caminho. Briga contra inimigos imaginários e ignora toda sua beleza e potência. A bolha floresce ai. A mentira também.

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