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Leandro Beguoci é diretor editorial de Nova Escola (novaescola.org.br). Ele explica sobre o que funciona (e o que não funciona) na educação brasileira.

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Só os burocratas salvarão o MEC da 'memecracia'

O meme é o primeiro passo para a 'desprofissionalização' da educação pública

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Burocracia é uma palavra feia quando significa apenas pilhas de papel, sequências de carimbos e desânimo de funcionários. E ela é feia mesmo, preciso admitir. Mesmo à origem do termo falta glamour. A palavra nasce dos tecidos usados para revestir as mesas em que os monges trabalhavam por longas e mais longas e mais longas horas. Com o tempo, o tecido se confundiu com a mesa de trabalho que, por sua vez, se confundiu com o lugar em que as pessoas desempenhavam sua função. Feito, nasce a palavra bureau. 

Na França, um país apaixonado por regras e papéis, o bureau encontrou a palavra grega krátos, que significa força ou poder. Estava formado o conceito para expressar um tipo de administração exercida por funcionários instalados dentro de escritórios, com grande autoridade para tocar os assuntos —de Estado ou de empresas. O termo foi consagrado por Max Weber, um dos pais da sociologia moderna, para definir um modelo de gestão impessoal e com regras claras, grosso modo (Weber é muito mais sofisticado do que a minha definição). 

 
Ministro Abraaham Weintraub com o guarda-chuva
Ministro Abraaham Weintraub com o guarda-chuva - Reprodução/Twitter

Por que faço esse longo preâmbulo? Quero defender os burocratas do MEC (Ministério da Educação). Enquanto eles trabalham duro para garantir que as verbas cheguem às escolas e universidades, enquanto elas se esforçam para manter as avaliações andando, o chefe de todos eles e elas, o ministro Abraham Weintraub, toca gaita para mostrar suas origens cearenses, usa guarda-chuva dentro do ministério para se proteger da “tempestade de notícias falsas”, assim, entre aspas mesmo, e produz toda sorte de memes para as redes sociais. Quando não está gravando um vídeo, cria problemas para as áreas jurídicas do ministério ao defender medidas que, pouco tempo depois, se provariam ilegais —como cortar verbas de universidades com base no critério de balbúrdia. 

Resultado? Sempre que o ministro tem uma ideia, um funcionário público perde seu tempo, pago com nossos impostos, para minimizar os desastres potenciais que a ideia terá sobre o MEC —e sobre o país. A gestão baseada em tuítes gera prejuízo ao erário. 

Cada um a seu modo, os ministros da educação de Jair Bolsonaro são o oposto do burocrata clássico. Ricardo Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub misturam suas obsessões com os temas do Estado e servem aos desejos do Presidente da República. Porém, Weintraub tem um agravante. Ele adora memes. Gasta muito tempo produzindo cada um deles. Parece, no entanto, gastar pouco tempo pensando sobre as consequências da “memecracia” sobre seus funcionários. 

Imagine trabalhar no MEC e ver um vídeo do seu chefe andando de guarda-chuva pelo corredor? Como você vai respeitar um líder que não respeita os poderes derivados da cadeira que ocupa?

A postura e as ideias do ministro são incompatíveis com os desafios que ele tem, tanto como ministro de Estado quanto como gestor público. Ao desperdício de tempo, dele e alheio, soma-se a construção de uma cultura pouco afeita ao profissionalismo. 

Se o ministro tudo pode e nada faz, os sinais para quem está abaixo dele são claros. O amadorismo é a regra e não a exceção. Neste contexto, não há burocracia, não há regra, só um baguncismo voluntarista. Afinal, o contrário de burocracia não é agilidade. É caos —e amadorismo.  

Em reunião recente com reitores e líderes de universidades federais, Weintraub sugeriu que, caso falte dinheiro para a limpeza, os alunos poderiam montar mutirões para varrer corredores e jogar água nos banheiros. Difícil imaginar uma cena semelhante em qualquer universidade relevante do mundo. Mas, na cabeça de Weintraub, essa é uma sugestão relevante para as instituições brasileiras. Um bom burocrata certamente já preparou a papelada para evitar que isso vire processo contra o Estado, pode ter certeza.  

A educação brasileira penou décadas para ser profissionalizada. Isso só aconteceu, na prática, a partir da Constituição de 1988. Foi ali que ela virou direito de todos os brasileiros e um dever do Estado. O MEC passou por uma séria de reformas, órgãos foram profissionalizados, a complexidade do trabalho aumentou com as avaliações padronizadas. Ainda há muito a melhorar, e o sistema está longe de ser perfeito. 

Eu, sinceramente, preferiria discutir modos de agilizar o MEC, modernizar a pasta, melhorar seus processos. Porém, como não estamos em tempos normais, eis-me aqui dizendo o óbvio: ministro, respeite seus burocratas. Quanto mais memes você produzir, menos respeito vai angariar. Com menos respeito, a máquina vai emperrar. E, uma vez parada, será muito difícil fazê-la voltar aos eixos.

Se nada disso te comover, deixo um alerta. Quando tudo der errado, você vai precisar dos seus burocratas. Acredite em mim. Eles são a sua única salvação.

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