Algumas vezes, a história teima em caminhar aos círculos. Em 1979, nos últimos anos do regime militar, o presidente João Baptista Figueiredo nomeou Eduardo Portella, professor da UFRJ, para o Ministério da Educação. Ele tinha experiência na administração pública, passara incólume pela perseguição dos anos de chumbo e até redigira discursos do futuro chefe.
Nada disso foi suficiente para exorcizar o fantasma do comunismo da sua trajetória. Portella foi acusado de ser esquerdista pelo SNI (Serviço Nacional de Informação), o infame órgão de espionagem do governo federal, e só manteve o posto por causa da ala não-lunática do regime. No último minuto, os moderados conseguiram provar que ele não era um “comunista perigoso”.
As histórias mostram como, apesar da impressão generalizada, a educação melhorou no Brasil. As falas também servem de alerta. O progresso não é garantido. É sempre possível retroceder. E, quando a gestão se mistura com paranoia e mistificação, o resultado é certo. O desastre está ali na esquina.
Enquanto o regime mobilizava as suas forças para tirar um professor universitário do MEC, a educação capengava. Segundo dados compilados por Gois, o analfabetismo adulto, no governo Figueiredo, era de 21%. Hoje, ele está em torno de 7%. Nos estertores do regime, 35% das crianças de 4 a 17 anos de idade estavam fora da escola. Esse número é de 6% atualmente.
O investimento em educação era menos da metade de hoje, em proporção ao PIB, para uma população 70 milhões de pessoas menor do que a atual. Não era um retrato bonito, não. Apesar disso, o regime tinha tempo para procurar inimigos em todos os cantos.
Ainda no livro de Gois, o ex-ministro Portella relata algumas das suas conversas com Delfim Netto, então ministro do Planejamento e homem forte das finanças federais.
“Não encontrei receptividade na área financeira porque o Delfim Netto era articulado com os órgãos de informação”, afirma o ex-professor. “A impressão que eu tinha é que eles achavam que financiar a Educação e a cultura era contribuir para a subversão. Então, os orçamentos eram altamente contingenciados, cortados. Tive pouco orçamento, muito pouco, mas deu para fazer alguma coisa”, finaliza. Como se vê, alguns fantasmas seguem bastante vivos 40 anos depois.
Um governo aparelhado por fantasias e mistificações não é apenas má política e entretenimento ruim. Dadas as dimensões do Brasil e os nossos desafios educacionais, especialmente na qualidade das aulas oferecidas aos nossos estudantes, o MEC precisa ser um órgão pacificador, um criador de consensos.
Num passado recente, isso foi possível. Do final da década passada até meados dessa, um conjunto político que ia da centro-direita à centro-esquerda, mediado pelo MEC, trabalhou bastante. Essas pessoas nos legaram o PNE (Plano Nacional Docente) e o piso nacional dos professores, para ficar em dois marcos relevantes. Havia uma agenda comum, com visão de longo prazo, instalada tanto no Executivo quanto no Legislativo. Divergências pontuais, claro, mas nada capaz de comprometer os avanços. Isso acabou.
Enquanto o governo federal tratar a educação como território de inimigos, não haverá agenda possível no país. Se nada acontecer, e rápido, prepare-se: a educação no Brasil terá um longo passado pela frente. Os efeitos serão sentidos daqui a pouco. Um MEC que não faz nada é capaz de produzir grandes estragos. Duvida de mim? Escutem o Portella.
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