Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Oscar Vilhena Vieira
Descrição de chapéu Folhajus chuva

Sofrimento e perdas com chuvas recaíram desproporcionalmente sobre mais pobres

Degradação de democracias contribuirá para aumentar gravidade de novas tragédias

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Temos abusado de nossa resiliência. A palavra, que originalmente era empregada para designar a propriedade de certos materiais de recobrar sua forma original após serem submetidos a deformação, ganhou terreno, sendo hoje amplamente empregada pela psicologia, economia, estudos de clima e mesmo no direito (eu mesmo participei de um livro intitulado "Resiliência Constitucional").

A primeira vez que ouvi a expressão fora de uma aula de física foi na Praça da Sé, há mais de 30 anos. Após constatarmos a condição degradante a que estavam submetidos inúmeros jovens em situação de rua, no centro de São Paulo, muitos deles dependentes, minha colega de Comissão Teotônio Vilela, Cenise Monte Vicente, disse: "Esses jovens são incrivelmente resilientes; se tiverem apoio e oportunidades, conseguirão retomar suas vidas".

Nesse sentido, não me queixo pelo emprego generalizado da palavra para designar essa formidável capacidade, partilhada por alguns organismos e sistemas sociais, de recobrar o equilíbrio —e mesmo superar traumas— após serem submetidos a situações de extrema privação, sofrimento, pressão ou violência. Ela tem uma conotação de esperança. E isso é bom.

O fato é que a resiliência tem limites. Pessoas, comunidades, meio ambiente, assim como regimes democráticos, especializados em se adaptar, podem simplesmente colapsar ou se desvirtuar quando esses limites são ultrapassados.

Na tragédia do litoral norte, neste Carnaval, as diversas dimensões de nossa negligência com os limites da resiliência social, climática e política ficaram expostas. Se o evento climático extremo, associado ao nosso modelo de produção e consumo, foi a causa inicial da tragédia, o sofrimento e as perdas irreparáveis recaíram de maneira absolutamente desproporcional sobre os mais pobres. Mais pobres que, nas diversas partes do mundo, se encontram desproporcionalmente expostos aos efeitos da mudança climática.

No Sahy não foi diferente. Foram os que se apertam em habitações de um cômodo, em comunidades desprovidas de serviços públicos básicos, em busca de uma oferta de trabalho na riviera paulista, que perderam seus familiares, barracos e bens essenciais.

A mudança climática intensifica as brutais injustiças sociais e econômicas, não apenas no Brasil. A injustiça climática impacta o acesso a água, alimentação, infraestrutura básica de saneamento, educação, além de eletricidade e moradia de cerca de um terço da população ao redor do mundo. No que se refere especificamente a desastres naturais, estima-se que, apenas no Brasil, cerca de 10 milhões de pessoas vivam em áreas de risco e 2 milhões em áreas de risco extremo (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).

As democracias precisam ser capazes de dar respostas mais eficazes à profunda e persistente desigualdade, assim como à mudança do clima. Embora haja uma consciência cada vez mais ampla sobre esses desafios, a incapacidade ou indisposição de muitos governos de incidir sobre as questões da desigualdade e do meio ambiente, bem como de levar a sério a necessidade de implementar medidas de adaptação à mudança do clima, coloca as próprias democracias numa posição de extrema vulnerabilidade.

O declínio no número de regimes democráticos ou a degradação das democracias existentes, como sabemos, apenas contribuirá para aumentar a intensidade e gravidade de novas tragédias.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.