Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Oscar Vilhena Vieira
Descrição de chapéu Folhajus

Por aqui, nada parece andar sem amplo consenso entre os três Poderes

Migramos do confortável presidencialismo de coalizão para um regime hiperconsensual

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A derrubada em série de vetos presidenciais nesta semana confirma uma profunda mudança na relação entre os Poderes no Brasil. O Congresso não só impôs uma derrota ao Executivo como desafiou o Supremo ao restabelecer o marco temporal, declarado inconstitucional recentemente pelo tribunal.

Nestes 35 anos, migramos de um confortável presidencialismo de coalizão, com forte dominância do Executivo, para um regime hiperconsensual, onde nada parece andar se não houver um amplo consenso entre os três Poderes da República.

A relação entre os Poderes jamais é estática. Ela responde a uma combinação dinâmica entre a distribuição de prerrogativas pela Constituição e forma como o eleitor estabelece maiorias, a cada ciclo eleitoral.

Nossa história institucional foi marcada, desde o início, pela dominância do Executivo. Embora nominalmente parlamentarista, a Constituição de 1824 conferiu uma função subordinada ao Legislativo e ao Judiciário. O exercício do Poder Moderador pelo imperador lhe garantia uma primazia sobre os demais Poderes, mesmo em ciclos eleitorais adversos.

A proclamação da República não deslocou o Executivo da posição de vértice do sistema político. Como alertava Rui Barbosa, graças ao seu poder de eleger, nomear, contratar, controlar a bolsa e exercer a força, o Executivo transformou-se no "poder dos Poderes".

As ditaduras Vargas e militar aprofundaram as raízes do nosso hiperpresidencialismo. Atos institucionais e Cartas Constitucionais, feitas sob medida do presidente de plantão, facilitaram a submissão do Legislativo e do Judiciário.

Essa hegemonia do Executivo apenas seria desafiada no breve e acidentado interstício liberal de 1946-1964, com a adoção do sistema proporcional para a composição da Câmara dos Deputados, que impôs aos presidentes a necessidade de formar coalizões parlamentares para governar e eventualmente sobreviver.

A crise de 1964, no entanto, colocou em xeque a operacionalidade do modelo. Para muitos, a inexistência de uma terceira força constitucional, capaz de arbitrar os conflitos entre Executivo e Legislativo, abriu espaço para a intervenção dos militares.

O trauma foi tamanho que a Constituição de 1988, além de buscar corrigir diversas deficiências do presidencialismo de coalizão, conferiu prerrogativas superlativas ao Supremo Tribunal Federal, criando as bases para um regime hiperconsensual, com três Poderes proeminentes. O peso do presidencialismo, a baixa polarização política e a assunção de algumas prerrogativas para controlar a execução do Orçamento e a agenda parlamentar permitiram a Fernando Henrique, Lula e Dilma (1) manter certa dominância, ainda que com concessões.

Com a crise aberta em 2013, e impeachment de Dilma, os sucessivos presidentes se viram obrigados a paulatinamente ceder parte de suas prerrogativas ao Legislativo, controlado pelo centrão. O Supremo também foi convocado a decidir sobre questões com repercussão política cada vez mais ampla. Responsabilidade que assumiu sem qualquer cerimônia. O padrão de relacionamento entre os Poderes se tornou, assim, mais conflituoso.

Embora essa hidra de três cabeças tenha se demonstrando eficiente para conter o assalto autoritário pelo qual passamos, esse hiperconsensualismo impõe elevados custos à governabilidade assim como à implementação de reformas indispensáveis à promoção de um ciclo virtuoso e inclusivo de desenvolvimento. O drama é que, sem uma substantiva melhoria do bem-estar da população, novos oportunistas estarão à espreita para assaltar nossas instituições.

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