Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado

A armadilha do anti-intelectualismo

Progressistas cultivam a sofisticação política e estética e se afastam das pessoas comuns

Há quem acredite que a ênfase de Bolsonaro em criticar os partidos, defender a família tradicional e promover o porte de armas —o que a sociologia americana convencionou chamar de guerras culturais— é apenas uma cortina de fumaça para esconder aquilo que importa, a agenda ultraliberal da política econômica.

Sejam distração ou questões de importância política genuína, o fato é que os temas morais são a base de sustentação do novo poder político.

O sucesso da exploração das guerras culturais nas eleições deve-se, pelo menos em parte, à embalagem populista. Elas foram embrulhadas num discurso do tipo nós, o povo, contra as elites progressistas, encasteladas nas universidades e nas escolas, nos meios de comunicação e nas artes —e isso permitiu que a mão dura do conservadorismo fosse vista como um avanço democrático que derrotou as elites da cultura e do poder.

A resposta dos progressistas, que foram votar em Haddad segurando livros de Karl Marx e Paulo Freire, não poderia ter sido pior.

Com o gesto, queriam simbolizar a defesa da cultura e do progresso contra o ataque da barbárie e do atraso, mas involuntariamente confirmaram o estereótipo, difundido pelos conservadores, de que eram riquinhos arrogantes, que desqualificavam as pessoas comuns que votavam em Bolsonaro como uma massa ignorante e inculta.

Os conservadores estão de fato promovendo a organização da ignorância como se fosse uma emancipação democrática. É preciso reconhecer com humildade que estamos sendo derrotados neste jogo e mudar de postura para escapar da armadilha anti-intelectualista do populismo.

Nós, os progressistas, cultivamos o gosto pela sofisticação política e estética e, a cada rodada de conversação com nossos pares, nos diferenciamos mais, ficando mais requintados e com um repertório mais amplo. A cada rodada, tornamo-nos também mais estranhos e mais apartados das pessoas comuns.

Esse afastamento, que se acelerou com a polarização, permitiu aos conservadores nos apresentar como uma elite malévola que quer inculcar nas pessoas comuns valores alienígenas de defesa da diversidade e dos direitos humanos.

Precisamos abandonar essa disposição de falar apenas com quem se parece conosco e nos engajar com as pessoas comuns. Conversar, não converter. O verdadeiro desafio não é educar, mas se deixar educar.
Isso, por si só, pode dar a medida das prioridades e da gradação de que tanto carecemos se queremos transformar a sociedade, num sentido político e não apenas nos tornar mais puros, num sentido moral.
 

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