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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Economista da XP diz que, sem taxação de dividendos, ricos pagam menos impostos

Para Caio Megale, a reforma tributária tem bons princípios, mas precisa de ajustes

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São Paulo

A insatisfação do mercado com a reforma tributária está mais no receio de que ela passe "tratorando" sem discussão do que nos aspectos específicos, diz Caio Megale, economista-chefe da XP.

"É uma reforma que tem princípios meritórios, mas precisa de ajustes, discussão. A questão dos dividendos, de fato, provocava injustiça tributária. Grandes acionistas que recebem praticamente a totalidade de sua renda através de dividendos das empresas eram subtributados", diz Megale, que foi assessor especial do Ministério da Economia até julho do ano passado.

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Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos - Alberto Rocha/Folhapress

Teve muita reclamação no mercado sobre a reforma tributária. Qual o pior defeito? É uma reforma que vai na direção correta. Tem bons princípios, como a taxação de dividendos, algo feito internacionalmente. Por não taxarmos dividendos, boa parte da população, especialmente os mais ricos, paga menos imposto. Fundos exclusivos também, faz sentido a taxação. Mas a forma como foi escrita traz insegurança.

Diversos artigos não estão claros. A forma de implementar a taxação sobre os dividendos também traz insegurança porque cobra não só das empresas para pessoas físicas, mas entre empresas. Tem empresas que se estruturam, uma holding, uma subsidiária, e elas trocam recursos para escolher os melhores investimentos, o que passaria a ser tributado. E não está claro como geraria crédito para frente.

E tem um problema que, para além da reforma proposta, faz a desoneração do Imposto de Renda de pessoa física, que é a elevação do mínimo de isenção. Isso não é reforma, é atualização da tabela. Só que, como é custoso do ponto de vista tributário, foi aproveitada a reforma para gerar um adicional para bancar a mudança no Imposto de Renda Pessoa Física. Ou seja, também eleva o custo de produção das empresas porque ele foi calibrado para gerar um excesso que compense a desoneração da pessoa física.

Por que o mercado ficou tão estressado? Normalmente, demora para aprovar uma reforma assim. É difícil acertar um bom texto. Por mais que tenha os técnicos pesquisando, é melhor quando discute com sociedade. O processo de audiências públicas aponta problemas. Mas como tem a parte de desoneração de pessoa física, e o presidente da Câmara sinalizou uma tramitação rápida, o mercado ficou preocupado de se passar por cima desse período. O que mais preocupou nem foi a reforma em si, mas a sensação de que ia passar tratorando, sem espaço para discussão.

Essa sensação mudou? Acho que, de lá para cá, o Ministério da Economia sinalizou com ajustes, entendeu que tem uma parte que acabaria onerando as empresas, que pode colocar em risco o processo de retomada dos investimentos.

Se faz uma proposta mal calibrada ou com algum problema de redação, de repente, se aborta um ciclo de investimento em algum setor no momento em que a economia mais precisa. O próprio ministro Paulo Guedes vem falando que é bom ouvir, ajustar, que alguns cálculos precisam ser refeitos. E a Câmara também sinalizou com mais discussão a essa reação da sociedade à tramitação acelerada.

Ele faz isso depois de ouvir até que ele teria perdido apoio da base liberal. Essa reforma enfraqueceu o discurso liberal do governo? Não enfraquece. É uma reforma que tem princípios meritórios, mas precisa de ajustes, de parâmetros diferentes e discussão mais profunda sobre os temas que está tocando. Por exemplo, a tributação de dividendos acontece em várias partes do mundo e, de fato, provocava injustiça tributária no Brasil.

Grandes acionistas de grandes empresas que recebem praticamente toda a sua renda através de dividendos das empresas eram subtributados. Então, faz sentido ajustar essa tributação. Agora, qual é a alíquota? Faz sentido ajustar essa tributação e não reduzir o Imposto de Renda Pessoa Jurídica na mesma proporção? Faz sentido a tributação entre empresas do mesmo grupo econômico? Como é o padrão internacional?

Estamos mexendo no arcabouço tributário do setor produtivo brasileiro. Precisa de ajustes? Sim. É anti-liberal? Não, pelo contrário. Mas tem de pensar nas consequências em termos de arranjo econômico. E tem de ter pauta de simplificação, não necessariamente reduzir imposto, mas deixar o sistema mais leve. Da forma como está redigida, não parece que alcança esses objetivos. Uma reforma profunda merece debate profundo.

A reação foi forte especialmente no caso dos dividendos. Tem uma choradeira, contra a correção dessa injustiça tributária. Para você que esteve dentro do governo, como lidar com isso? Pleitos específicos sempre vão existir. Por isso que a avaliação dos prós e contras é importante. Não necessariamente uma reforma que é importante para a sociedade não vai prosperar porque afeta um grupo que reclama. Vem ao debate, os parlamentares ecoam e muita coisa é aprovada, mas acaba afetando um ou outro.

Agora, essa questão de tributar dividendos não é nova. Em outros momentos, a discussão aconteceu, na linha de que se tem de tributar e se compensa com a desoneração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica. Uma reforma que se fecha dentro dela. Tem gente reclamando porque vai ter de pagar imposto? Tem. Mas o principal é analisar se não aumentamos a carga tributária sobre o setor produtivo para financiar algo que veio acoplado e não fazia parte da estratégia original de repensar a tributação sobre empresas.


Caio Megale
Economista formado pela USP e mestre pela PUC-Rio. Foi secretário de Indústria e Comércio e diretor na secretaria especial da Fazenda no Ministério da Economia. Foi também secretário municipal da Fazenda em São Paulo

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