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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Votorantim prepara nova geração de herdeiros

Sucessores que passam por programa de formação começam a participar de conselhos das empresas do grupo

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São Paulo

Passados 103 anos desde o início da história da Votorantim como uma fábrica de tecidos, a família cresceu, elevando também a complexidade das sucessões. Enquanto a quarta geração alcançou 23 membros, a quinta, que vai substituí-los, abrange 80. São herdeiros que, diferentemente dos pais, não tiveram contato com os fundadores.

Eles passam, portanto, por um processo de preparação que começa aos 14 ou 15 anos de idade para aprender sobre a trajetória, os valores e o legado da empresa, enquanto definem suas vocações. Uma parte segue a vida profissional fora dos negócios da família, mas com o repertório para atuar como acionista. Um grupo menor, que permanece no programa de formação até os cerca de 35 anos, está chegando à fase final e já começa a participar de conselhos das empresas investidas.

“A gente também procura capacitá-los a liderar. Não adianta ter uma pessoa tecnicamente bem formada e preparada mas que não tenha a percepção de líder, nos outros 80 jovens da quinta geração. A gente vem construindo de forma que eles estejam expostos aos seus pares e sejam legítimos. Nós tivemos o desafio de representar uma família com 23 membros. Eles terão 80”, diz o acionista Claudio Ermírio de Moraes.

Da esq. para a dir., José Roberto Ermírio de Moraes, Luis Emírio de Moraes, Clovis Ermírio de Moraes Scripillitti e Claudio Ermírio de Moraes  - Danilo Verpa/Folhapress

Como é a linha do tempo? 
Clovis Ermírio de Moraes Scripilliti
 Começa em 1918, com Antonio Pereira Ignacio, com uma fábrica de tecidos. Em 1925, junta-se a ele José Ermírio de Moraes, seu genro. Na década de 1930, entram no negócio de cimento, aço e química. Na de 1940, a expansão do negócio de cimento para unidades no país e a chegada da terceira geração. Na década de 1950, vem o negócio de alumínio, na de 1960, zinco.

José Ermírio de Moraes é eleito senador, se afasta dos negócios e os filhos tocam as empresas. Nos anos 1970, entramos no negócio de níquel. Nos 1980, papel e celulose, e em um ambiente diferente, com a economia se abrindo ao mundo. Na década de 1990, banco e suco de laranja. A partir de 2000, com o processo de internacionalização, importantíssimo para nós, chegamos aos dias de hoje presentes em 19 países.

Na década seguinte, estruturamos o negócio de energia que tínhamos como visão de fornecimento aos nossos negócios, mas se torna um negócio também. E recentemente, entramos no negócio de real state [imobiliário], pela Altre, e consolidando um pouco mais a energia com a aquisição do controle acionário da Cesp. Essa trajetória toda não é só a soma das partes. Governança é um ponto fundamental.

Nós passamos por vários processos de evolução, desde quando éramos uma soma de fábricas e gerimos o grupo para um modelo em que passamos a fazer a gestão por unidade de negócios. E precisávamos, em cada negócio, buscar a sinergia para ter um todo mais forte. Mais recentemente, migrando para uma gestão ativa de portfólio, onde estamos sempre buscando novas oportunidades e saindo, eventualmente, de alguns negócios que por algum motivo não faziam mais sentido.

Essa inquietação é forte e foi um dos fatores para chegarmos aos cem anos. Houve momentos dificílimos, mas a resiliência foi fundamental.

Houve inspiração em fatos lá atrás. Em 1919, Antonio Pereira Ignacio fez um acordo com o sindicato de equiparação salarial de homens e mulheres na fábrica de tecidos. Outra coisa que mostra a visão: a mãe de José Ermírio de Moraes vendeu parte do engenho de açúcar em Pernambuco para o filho estudar fora. Esses exemplos vêm de longe.

A nossa geração chegou lá pelos anos 1980. Temos a quinta geração, que já aparece em vários conselhos. A passagem de geração acontece de forma harmônica. É uma empresa familiar e queremos que continue.

E como vocês preparam esses herdeiros? 
CS Durante a evolução da governança nos anos 2000, criamos também o conselho de família. Parte da função é harmonizar a família com os negócios. A família está muito grande e a maioria não está no dia a dia. Então, é importante mantermos essa família informada e na mesma página da evolução dos negócios.

Temos um programa de formação de acionistas. Acompanhamos a vocação de cada um deles e os incentivamos a fazerem aquilo que eles têm vocação e que vá fazê-los um profissional realizado. Portanto, como consequência, será um bom acionista no futuro.

Como acontece a sucessão? 
Claudio Ermírio de Moraes O processo de sucessão em uma empresa familiar tem que saber evoluir. O número de membros e acionistas vai crescendo. Tem que acompanhar e saber antecipar. Cada geração nova vem com uma complexidade e uma demanda.

Hoje nós vivemos um momento de transição entre a quarta e a quinta geração, muito mais numerosas. Na quinta geração já estamos falando em 80 membros, saindo de uma quarta geração com 23.

O primeiro passo, a semente do nosso programa de sucessão, foi dado por nós mesmos em 2001. Quando ainda éramos jovens na casa dos 30, 40 anos, achamos que era importante fazer um movimento geracional de antecipar. Na época, éramos todos executivos de linha da empresa e achamos importante para o futuro. Foi até difícil porque combinamos, ainda jovens, de sair da governança, do dia a dia da empresa, para que pudéssemos nos tornar mais conselheiros e gestores de um portfólio. Houve um rearranjo familiar.

Na sequência, montamos o conselho de família. A primeira fase do programa tinha por objetivo pegar os jovens e estimulá-los. Para que aqueles que viessem a encontrar o seu caminho profissional fora do grupo fossem melhores acionistas, com conhecimento da história da família e do grupo, dos valores, do legado.
Esse projeto, que visa desenvolver os acionistas, começa aos 14 ou 15 anos e vai até depois da faculdade.

Eles têm a possibilidade de fazer um estágio aqui e depois seguem o seu caminho. Serão médicos, advogados ou profissionais do mercado que possam ser felizes nas suas escolhas, mas com conhecimento da história, acionistas mais conscientes.

Tem um outro grupo, menor, de egressos desse programa que tem uma pegada mais de indústria e empreendedorismo e que realmente deseja se desenvolver no grupo. Estes passam para uma fase dois do programa, chamado Pontes. É comitê de desenvolvimento de liderança. Esses jovens, com perfil para ser desenvolvido de forma mais robusta, participar da governança e continuar o legado na Votorantim, têm todo um processo de aceitação. E começa uma régua mais alta de demandas.

Eles entram em um projeto de carreira. Na primeira rodada, nove jovens aplicaram para esse programa, depois, em uma segunda onda, mais cinco. Eles passam de seis a oito anos nesse programa, que os recebe após o estágio e visa tê-los mais bem formados até os seus 30 a 35 anos. Aí sim, é uma meritocracia pura.

Os que passaram por esse programa estão agora chegando em uma fase final. Já começam a participar de conselhos de empresas investidas. Alguns seguiram carreira como executivos da empresa, sendo avaliados e testados para que possam ser aqueles que vão suceder a quarta geração.

Também procuramos capacitá-los a liderar. Não adianta ter uma pessoa tecnicamente formada mas sem a percepção de líder, nos outros 80 jovens da quinta geração. Construímos de forma que eles estejam expostos aos seus pares e sejam legítimos. Tivemos o desafio de representar uma família com 23 membros. Eles terão 80.

E a sexta geração, que são crianças, já começa a aprender a história? 
CM A sexta está ainda em uma fase inicial de vida, mas o programa do conselho de família vem discutindo já se essa idade de 14 ou 15 anos seria desejável antecipar. A tendência geracional de uma família é eles não se conhecerem. Eles têm de se conhecer, para se respeitar e atuar de forma mais positiva no legado.

Aí são jogos de empresa, brincadeiras. Muitos nem vão morar no Brasil ou vão estudar fora. Tem um trabalho geracional, mas eu volto à máxima que nos ajudou: tem que antecipar. Se esperar a geração seguinte estar para lá de pronta, você corre enormes riscos, inclusive o de perder talentos.

Tem que gerar cola entre eles. E só vão adquirir quando forem expostos à história do grupo, à força destes mais de cem anos, porque eles não tiveram contato com os fundadores. Essas gerações precisam ser provocadas de forma diferente.

E participação feminina? Qual é o tamanho hoje? 
CM Na geração anterior foi menor, mas hoje é plena. No programa, temos jovens mulheres engajadas e trabalhando no grupo. Nossa vontade é ampliar. A questão do trabalho da mulher vem evoluindo há muito tempo e na família não será diferente.

A família teve figuras icônicas de liderança nacional. Isso faz falta hoje?
CM O grupo teve isso como característica muito forte nas gerações anteriores. Na nossa ainda teve, mas, em uma família que cresce em número de pessoas e com a profissionalização do grupo, nós fizemos um outro movimento.

Hoje, no conselho principal, da holding, temos 7 membros dos quais 4 não são familiares. Achamos que é importante dar menos personalidade a essa questão da família.

Embora o grupo seja 100% familiar, não necessariamente um membro da família será o representante, mas ao longo das gerações isso pode voltar a acontecer. Na quinta geração, nós temos jovens com bastante capacidade e desenvoltura nesse lado de relacionamento e de exposição.

A polarização do Brasil de hoje desfavorece essa exposição? 
CM Não nos preocupamos com momento de polarização. Nossa agenda é Brasil. Estamos aqui há mais de cem anos. Momentos de polarização já devem ter ocorrido certamente mais agudos nesses últimos cem anos. Faz parte e não vejo como um problema para a família.

A última manifestação pediu impeachment, como vocês analisam isso? O Brasil passaria por mais um?  
José Roberto Ermírio de Moraes  Isso faz parte da democracia. Acho que temos de ouvir todos os lados. Teve grupos que participaram, outros não quiseram, que acham que não é o momento. Isso faz parte. Acho que vamos encontrar uma resultante em que o processo eleitoral e democrático sairá vitorioso.

E a crise da energia, como estão olhando tanto do ponto de vista do consumo como da geração? 
Luis Ermírio de Moraes A crise energética para o grupo tem seu impacto, mas não é tão grande porque a Votorantim, desde a década de 1950, investiu em geração própria de energia elétrica, em usina hidrelétrica, na época, e mais recentemente tem investido bastante em eólica e solar. Praticamente 70% da energia do grupo hoje é autogerada pelo próprio grupo.

Temos o desafio de tentar, na questão de ESG, ajudar a reduzir emissões de CO2. Nunca dependemos de geração de energia pelos meios fósseis ou carvão ou gás. Até como negócio no grupo, decidimos não investir em termelétrica. E agora, com a redução do custo de implementação de energia solar, temos investido e vamos investir bastante na solar.


Votorantim
O grupo, que hoje atua nos setores de materiais de construção, financeiro, energia, metais e mineração, suco de laranja, alumínio, aços longos e imobiliário, é composto por nove empresas. Está presente em 19 países, com 35 mil empregados e registrou receita líquida de R$ 36,7 bilhões no resultado consolidado de 2020

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