Papo de Responsa

Espaço de debate para temas emergentes da agenda socioambiental

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Papo de Responsa

Educação inclusiva se faz, sobretudo, para pessoas sem deficiência

Com novo governo, teremos a oportunidade de ativar discussões propositivas relacionadas à educação inclusiva de pessoas com deficiência

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Carolina Videira

Vencedora do prêmio “Rise and Raise Others” da ONU, é educadora, mestre em neurologia, especialista em inclusão para diversidade e fundadora da Turma do Jiló

À vista de começarmos um novo governo com visões progressistas em assuntos ligados a direitos humanos, teremos a oportunidade, como sociedade, de ativarmos discussões propositivas relacionadas à educação inclusiva de pessoas com deficiência.

Esse generoso ato de incluir despertou em mim por uma questão familiar e me fez mergulhar em um universo de estudos para entender como a redução das desigualdades sociais possibilita uma vida mais justa a todos.

Me tornei especialista em práticas inclusivas e gestão das diferenças, mestre em neurologia e recentemente recebi da ONU Mulheres o prêmio Rise and Raise Others ("Uma Sobe e Puxa Outra") por ações voltadas à redução de desigualdades.

Carolina Videira é fundadora da ONG Turma do Jiló - Renato Stockler/Folhapress

A educação inclusiva já acontece no Brasil e os resultados positivos acontecem quando todos se envolvem. Inclusão não é pedir tratamento personalizado: é tão somente que a pessoa com deficiência exerça seu direito como qualquer cidadão para que tenha o maior grau de autonomia.

Nesse sentido, a próxima gestão federal tem o dever de derrubar definitivamente o Decreto 10.502, sancionado pelo atual governo e que teve a validade suspensa no STF, referendando, por maioria, a liminar deferida pelo ministro Dias Toffoli na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6590.

O decreto representa retrocessos no ensino nacional possibilitando, por exemplo, que escolas públicas e privadas recusem matrícula de alunos com deficiência.

Essa tentativa de violação dos direitos confronta com importantes conquistas alcançadas na esfera legislativa, entre as quais a Política Nacional de Educação Especial, de 2008.

A lei assegura a inclusão de alunos com deficiências em quaisquer unidades de ensino do país, assim como a Lei Brasileira de Inclusão, de 2015, que promove o exercício dos direitos e liberdades fundamentais por pessoas com deficiência visando à sua inclusão social e cidadania.

Ainda existem muitas instituições que se recusam a matricular alunos com deficiência, mesmo havendo uma lei federal contra tal atitude. A ativação do decreto permitirá que essas e mais escolas reforcem suas posturas segregacionistas sem risco de penalizações.

A inclusão envolve principalmente quem não tem deficiência para que compreendam a importância de que todos possam ser cidadãos e profissionais valorizados no mercado.

E quando olhamos para as oportunidades de trabalho, o que vemos hoje são vagas abertas a pessoas com deficiência, mas que muitas vezes não são preenchidas.

Uma das razões para esse gargalo é a existência de um sistema educacional falho no processo inclusivo e distante da realidade desses candidatos com deficiência. O reflexo disso são pessoas com baixa escolaridade e que, anos depois, não conseguem atingir os critérios exigidos pelo mercado.

As rejeições sofridas por pessoas com deficiência em instituições de ensino por todo o país, somadas à falta de conhecimento em lidar com esses alunos, reduzem as chances de assumir posições no mercado profissional, restando-lhe trabalhos informais.

Falta estrutura para preparar as pessoas com deficiência para a vida. A sua inclusão em classes comuns envolve a capacitação de profissionais de educação para apoiar e desenvolver todos os estudantes.

É preciso colocar educação inclusiva na base curricular dos cursos de pedagogia e educação em geral, assim como aumentar o número de escolas bilíngues para surdos.

Outra medida importante é atrelar o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ao compromisso das famílias e escolas de educarem para autossuficiência dos jovens no futuro. Previsto por Lei Orgânica da Assistência Social, o benefício federal dá condições para que famílias se reorganizem diante da necessidade de investirem tempo e recursos nos cuidados com crianças com deficiência e estimula seu acesso às atividades em sociedade.

A presença de pessoas com deficiência em classes comuns, assim como a educação inclusiva transversal —da primeira infância até o ensino superior— , são passos importantes para transformar também os alunos sem deficiência.

Nesses anos atendendo pessoas com deficiência e suas famílias pela Turma do Jiló, enxergamos que sua frequência escolar está diretamente relacionada a questões sociais e financeiras.

Como conseguir o acesso de uma pessoa com deficiência pertencente a classes sociais com renda baixa e sem infraestrutura digna para cumprir a logística escolar diária?

Políticas sociais de moradia e habitação, portanto, precisam alcançar com mais prioridade essas famílias. Qualquer infraestrutura, independentemente se houver ou não uma pessoa com deficiência, deve ser desenvolvida com acessibilidade, cuidados que ajudarão também idosos, crianças e outros grupos.

Além disso, a futura administração nacional tem a oportunidade de desenvolver um programa de moradia assistida para adultos com deficiência, proporcionando qualidade de vida e autonomia para essas pessoas que um dia podem não contar com a família.

Por décadas, fomos ensinados de que uma pessoa com deficiência deveria ser cuidada em um lugar à parte, como se um muro existisse para não enxergarmos o que acontece lá dentro.

Essa metodologia arcaica esconde as virtudes que as pessoas com deficiência têm, impedindo que essas qualidades sejam usadas para o bem da sociedade.

A limitação não está na pessoa com deficiência, mas sim nos meios que não oferecem condições para ela exercer a cidadania. A inclusão ensina as pessoas a lidar com as diferenças e entender que o mundo evolui quando ninguém fica para trás.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.