À vista de começarmos um novo governo com visões progressistas em assuntos ligados a direitos humanos, teremos a oportunidade, como sociedade, de ativarmos discussões propositivas relacionadas à educação inclusiva de pessoas com deficiência.
Esse generoso ato de incluir despertou em mim por uma questão familiar e me fez mergulhar em um universo de estudos para entender como a redução das desigualdades sociais possibilita uma vida mais justa a todos.
Me tornei especialista em práticas inclusivas e gestão das diferenças, mestre em neurologia e recentemente recebi da ONU Mulheres o prêmio Rise and Raise Others ("Uma Sobe e Puxa Outra") por ações voltadas à redução de desigualdades.
A educação inclusiva já acontece no Brasil e os resultados positivos acontecem quando todos se envolvem. Inclusão não é pedir tratamento personalizado: é tão somente que a pessoa com deficiência exerça seu direito como qualquer cidadão para que tenha o maior grau de autonomia.
Nesse sentido, a próxima gestão federal tem o dever de derrubar definitivamente o Decreto 10.502, sancionado pelo atual governo e que teve a validade suspensa no STF, referendando, por maioria, a liminar deferida pelo ministro Dias Toffoli na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6590.
O decreto representa retrocessos no ensino nacional possibilitando, por exemplo, que escolas públicas e privadas recusem matrícula de alunos com deficiência.
Essa tentativa de violação dos direitos confronta com importantes conquistas alcançadas na esfera legislativa, entre as quais a Política Nacional de Educação Especial, de 2008.
A lei assegura a inclusão de alunos com deficiências em quaisquer unidades de ensino do país, assim como a Lei Brasileira de Inclusão, de 2015, que promove o exercício dos direitos e liberdades fundamentais por pessoas com deficiência visando à sua inclusão social e cidadania.
Ainda existem muitas instituições que se recusam a matricular alunos com deficiência, mesmo havendo uma lei federal contra tal atitude. A ativação do decreto permitirá que essas e mais escolas reforcem suas posturas segregacionistas sem risco de penalizações.
A inclusão envolve principalmente quem não tem deficiência para que compreendam a importância de que todos possam ser cidadãos e profissionais valorizados no mercado.
E quando olhamos para as oportunidades de trabalho, o que vemos hoje são vagas abertas a pessoas com deficiência, mas que muitas vezes não são preenchidas.
Uma das razões para esse gargalo é a existência de um sistema educacional falho no processo inclusivo e distante da realidade desses candidatos com deficiência. O reflexo disso são pessoas com baixa escolaridade e que, anos depois, não conseguem atingir os critérios exigidos pelo mercado.
As rejeições sofridas por pessoas com deficiência em instituições de ensino por todo o país, somadas à falta de conhecimento em lidar com esses alunos, reduzem as chances de assumir posições no mercado profissional, restando-lhe trabalhos informais.
Falta estrutura para preparar as pessoas com deficiência para a vida. A sua inclusão em classes comuns envolve a capacitação de profissionais de educação para apoiar e desenvolver todos os estudantes.
É preciso colocar educação inclusiva na base curricular dos cursos de pedagogia e educação em geral, assim como aumentar o número de escolas bilíngues para surdos.
Outra medida importante é atrelar o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ao compromisso das famílias e escolas de educarem para autossuficiência dos jovens no futuro. Previsto por Lei Orgânica da Assistência Social, o benefício federal dá condições para que famílias se reorganizem diante da necessidade de investirem tempo e recursos nos cuidados com crianças com deficiência e estimula seu acesso às atividades em sociedade.
A presença de pessoas com deficiência em classes comuns, assim como a educação inclusiva transversal —da primeira infância até o ensino superior— , são passos importantes para transformar também os alunos sem deficiência.
Nesses anos atendendo pessoas com deficiência e suas famílias pela Turma do Jiló, enxergamos que sua frequência escolar está diretamente relacionada a questões sociais e financeiras.
Como conseguir o acesso de uma pessoa com deficiência pertencente a classes sociais com renda baixa e sem infraestrutura digna para cumprir a logística escolar diária?
Políticas sociais de moradia e habitação, portanto, precisam alcançar com mais prioridade essas famílias. Qualquer infraestrutura, independentemente se houver ou não uma pessoa com deficiência, deve ser desenvolvida com acessibilidade, cuidados que ajudarão também idosos, crianças e outros grupos.
Além disso, a futura administração nacional tem a oportunidade de desenvolver um programa de moradia assistida para adultos com deficiência, proporcionando qualidade de vida e autonomia para essas pessoas que um dia podem não contar com a família.
Por décadas, fomos ensinados de que uma pessoa com deficiência deveria ser cuidada em um lugar à parte, como se um muro existisse para não enxergarmos o que acontece lá dentro.
Essa metodologia arcaica esconde as virtudes que as pessoas com deficiência têm, impedindo que essas qualidades sejam usadas para o bem da sociedade.
A limitação não está na pessoa com deficiência, mas sim nos meios que não oferecem condições para ela exercer a cidadania. A inclusão ensina as pessoas a lidar com as diferenças e entender que o mundo evolui quando ninguém fica para trás.
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