Papo de Responsa

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Quando o assunto é violência contra mulheres, os dados falam a verdade?

Apesar do aumento no número de denúncias nos últimos anos, estudos mostram que subnotificação ainda é desafio a ser superado

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Beatriz Accioly Lins

Coordenadora das áreas de pesquisa e impacto e parcerias do Instituto Avon. Possui doutorado e mestrado em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo e é bacharel em Ciências Sociais pela mesma universidade.

Nos últimos anos temos sido cada vez mais midiaticamente inundados com os números alarmantes de violências contra mulheres.

Invariavelmente, os números crescem a cada ano, gerando manchetes aterrorizantes e movimentando uma série de artigos de opinião. Esses levantamentos são fundamentais para pautar o tamanho do problema social que enfrentamos, mas existe uma letra miúda que nossas cifras e estatísticas nacionais não mostram.


Com frequência, me fazem a seguinte pergunta: nossos números de violência têm aumentado ou as mulheres brasileiras estão mais propensas a denunciar e pedir ajuda? Essa é a indagação que não tem uma resposta simples.

Vamos analisar os dados. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que se baseia em informações fornecidas por fontes oficiais, em 2022 registrou-se o maior número de estupros no Brasil. Foram 74.930 casos, um crescimento de 8,2% em relação aos registros de 2021.

No mesmo ano também cresceram todos os indicadores de violência doméstica. Foram 613.529 registros de ameaças, correspondendo a um aumento de 7,2%; bem como 899.485 registros de chamados ao 190 da Polícia Militar, um aumento de 8,7%.

Também subiram, entre 2021 e 2022, os números de registro de feminicídio e homicídio contra mulheres, 6,1% e 1,4%, respectivamente.

Os números apontam que, se utilizarmos como métricas registros policiais, estamos diante do crescimento dos casos. Aqui há algumas interpretações possíveis: um aumento da violência contra mulheres e/ou as mulheres têm se sentido mais seguras em formalizar.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública produziu o levantamento "Visível e Invisível" para entender de forma mais ampla o fenômeno da violência contra mulheres no Brasil.Em 2023 o levantamento chegou a sua 4ª edição e mostrou que, entre as mulheres pesquisadas, 33,4% reconheceram ter sofrido violência física e/ou sexual por parte de um companheiro, mas dentre essa amostragem 45%alegaram não ter feito nada para denunciar o crime.

Ou seja, a maioria absoluta dos casos de violência contra mulheres não chega ao conhecimento das autoridades policiais ou mesmo de outros equipamentos públicos da rede de proteção e acolhimento.

Em outras palavras, se nossos números são assombrosos, eles são ainda subnotificados e devem ser ainda mais volumosos.

Ainda assim, quando comparamos a primeira edição da pesquisa "Visível e Invisível" realizada em 2017, houve um decréscimo de 7 pontos percentuais na opção "não fez nada", que marcava 52% de mulheres que não buscaram ajuda.

Há elementos, então, para acreditarmos que as mulheres brasileiras têm se sentido ligeiramente mais confiantes em compartilhar seus relatos de violência.

Contudo, entre a primeira e a última tomada do levantamento, as opções "denunciou à delegacia de defesa da mulher", "ligou para o 190" e "acionou o 180" não tiveram variações significativas.

Por esse motivo, devemos ser cautelosos quanto às afirmações categóricas de que o aumento dos registros e das denúncias refletiria apenas uma maior propensão ao pedido de ajuda.

O diagnóstico corroborado com o que os especialistas na temática de violências contra mulheres no Brasil aponta: apesar de importantes e bons esforços localizados, vivemos uma ausência de dados nacionais centralizados e produzidos com regularidade. A falha causa distorção do entendimento real da questão.

Aquilo que não é acompanhado e medido com rigor e atenção não pode ser monitorado, avaliado, planejado ou bem executado utilizando metas e métricas mensuráveis, comparáveis e confiáveis. Por isso, indicadores são pontos-chave para avanços. O que não se acompanha, não se conhece.

Esta é uma agenda emergencial no Brasil. Caminhamos muito mal sem a existência de dados qualificados, periódicos, integrados, rigorosos, abrangentes, comparáveis e que possam gerar insumos inequívocos e propositivos para o aperfeiçoamento de políticas públicas de proteção à vida da mulher.

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