Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa
Descrição de chapéu

Por um fio

Leitores reclamam que projeto gráfico dificulta a leitura da Folha

Ilustração mostra leitor do jornal com a sombra do 'F' de Folha projetada
Carvall/Folhapress

Uma nova (ou a mesma) Folha chegou às mãos do leitor na última sexta-feira, 20 de abril. Foi com essa definição paradoxal que o jornal apresentou a seus leitores a nova reforma gráfica de sua versão impressa.

Surpreso, um leitor me perguntou logo cedo o que o jornal queria dizer com o parágrafo inicial do texto sobre a mudança: "A Folha mudou, mas apenas para manter intacto seu DNA, de prática do jornalismo profissional em aspecto plástico atraente, em todas as suas plataformas de publicação". Tive dificuldade em responder.

Se ainda é cedo para fazer avaliação aprofundada da reforma —analisadas apenas duas edições sob o novo projeto—, é fácil concluir que a teorização sobre a mudança não facilitou a vida do leitor.

O que consigo depreender é que o jornal terá mais flexibilidade na edição e que o projeto busca valorizar textos mais longos, estes muitas vezes mero resultado da disposição em sequência de textos antes editados separadamente, com título próprio.

A reação imediata dos leitores foi fortemente crítica. A leitura de jornal é um hábito. Alterá-lo é sempre um risco. Passam então a ser compreensíveis reações adversas de quem se sentiu incomodado em sua rotina.

A situação se agravou porque a Folha não preparou seus leitores e mudou sem aviso prévio. O jornal optou por repetir a estratégia surpresa, adotada em fevereiro por ocasião das mudanças visuais das versões digitais. Muitos leitores se sentiram traídos.

O leitor Carlos Dranger, que é designer, elogiou "a busca permanente da qualidade visual, demonstrando atenção à modernidade", mas considerou o resultado desastroso.

"O modelo anterior destacava-se, quando comparado aos outros jornais, pela maior atratividade, não apenas quanto à qualidade estética, mas especialmente pelo [modo] 'gostoso de ler'. Por meio de uma feliz combinação de tamanho de títulos, uso de fontes e cores e arejamentos decorrentes, a Folha conseguia a proeza de reduzir a percepção de massa pesada de texto, tornando convidativa a leitura de densos conteúdos."

Um leitor classificou o novo projeto de "insípido, reduzido e sem graça". A fonte, alterada, foi criticada por dificultar a leitura. "A Folha perdeu vida!", disse outro, seguido por um que escreveu que "a leitura ficou meio entediante". Assinante de muitos anos ficou "muito decepcionada" e, ao folhear os cadernos, sentiu-se "desmotivada".

Coordenadores da reforma, Thea Severino, editora de Imagem, e José Henrique Mariante, secretário-assistente de Redação, afirmam que a concepção gráfica da Folha passa a ser conduzida pelo conteúdo, seja ele qual for. "Restaurar o prazer de ler o produto impresso é o principal objetivo."

Valorizar o conteúdo é decisão louvável. Minha dúvida é se residirá aí a restauração do prazer da leitura.

A possibilidade de textos maiores confere ao jornal impresso certa profundidade desejável, mas exige trabalho refinado de apuração e pode esbarrar na qualidade dos textos e no tempo escasso do leitor. É preciso dar ouvido a ele.

A história recente da Folha registra opção por textos menores, com mais possibilidades de entrada para a leitura, imaginando assim competir de forma mais adequada pela atenção do seu tempo.

Vejo com bons olhos a aparente europeização do jornal. Os títulos com letras menores e mais linhas favorecem enunciados mais claros, completos e precisos; a possibilidade de nem sempre ocuparem toda a largura da página permite melhor hierarquização.

Imagens em tamanho grande, previstas em toda reforma gráfica, são desafio quase nunca atingido. Torço para que não seja assim desta vez.

Será a nova reforma uma mudança radical nessa abordagem? É cedo para julgar. Para mim, a reforma ainda não pareceu suficientemente clara: quer mudar, mas não muda muito; flexibiliza, mas nem tanto; ressuscita antigos cadernos, mas só "quando o conteúdo assim o determinar".

Não resisto à tentação de reproduzir aqui trecho de uma coluna publicada em 1991 pelo primeiro ombudsman da Folha, Caio Túlio Costa: "Reforma gráfica? Se o jornal não tem fios, então é só colocá-los; se os tem, basta retirá-los, costumavam dizer jornalistas mais velhos e sempre céticos. A Folha abusa desse marketing mutante. Resta ver se, junto às alterações, vêm mais qualidade na informação, maior respeito às verdades dos vários lados envolvidos em notícias e, no varejo, maior preocupação com o vernáculo tão esculhambado nas páginas dos jornais brasileiros".

Convido cada leitor a experimentar mais alguns dias essa "nova mesma" Folha e enviar sua opinião à ombudsman. O que importará, de fato, é observar se as mudanças contribuirão para melhorar a qualidade do jornal.

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