Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Um mar de oportunidades

Tempos de crise e incertezas dão chance de revalorizar a imprensa

ilustração mostra um navio navegando nas linhas que simulam os gráficos de pesquisas de intenção de voto
Carvall/Folhapress

​Momentos de acirramento de tensão, polarização aguda e crise política e econômica tornam-se reveladores do papel da imprensa. Na dicotomia crise-oportunidade, a sucessão presidencial dá chance ao jornalismo brasileiro de mostrar-se necessário e vigoroso.

A mais curta campanha eleitoral desde a redemocratização chega ao primeiro turno registrando audiência recorde para diversos órgãos de imprensa e em diversos meios.

Com roteiro pouco previsível, o jogo recomeça no provável segundo turno em condições adversas e de enfrentamento político, mas ampliando a janela de oportunidade para a imprensa, em fase de reformulação e modernização.

A Folha teve 41,4 milhões de visitantes únicos em seu site em setembro, a melhor performance mensal em 2018. As entrevistas com presidenciáveis aumentaram a audiência dos telejornais da TV Globo e mais do que quadruplicaram a da Globo News. O G1 atingiu a maior média diária de visitas (12,8 milhões) de sua história, com um total de 385 milhões no mês. O site da revista Veja bateu recorde de audiência, com 35 milhões de usuários, e os 20 conteúdos mais acessados tratavam de eleição.

Em linhas gerais, a Folha fez uma boa cobertura, com destaque para dois furos —como são chamadas as informações inéditas— sobre a candidatura do líder, Jair Bolsonaro (PSL).

O primeiro dizia respeito à funcionária fantasma mantida pelo candidato, e o segundo revelou documento em que ex-mulher do capitão reformado acusava-o de violência.

Somados à revelação por Veja dos detalhes do processo de separação de Bolsonaro, foram as novidades relevantes trazias pela imprensa. E que geraram muitas críticas de leitores.

Destaco positivamente alguns investimentos feitos pela Folha na versão digital como o Match eleitoral (ferramenta que permitiu ao eleitor encontrar candidatos ao Legislativo afinados com suas posições) e os podcasts que lembravam presidentes do passado e discutiam a eleição atual.

Por outro lado, está no acompanhamento da disputa nas redes sociais e aplicativos de mensagem um dos aspectos que a Folha precisa melhorar. É urgente investir e sofisticar o acompanhamento da campanha nas redes e da difusão das notícias falsas. Difícil é criar ferramentas novas e adequadas para esse universo, rico em pautas a descortinar.

Outro bom exemplo foi o GPS eleitoral, que dissecou os discursos de campanha a partir de um modelo matemático.

Será preciso lançar forças-tarefas em operações jornalísticas de maior fôlego para desvendar os candidatos, e, principalmente, os grupos em seu entorno. Quem são, de onde vieram, como se mantêm e o que pretendem?

O equilíbrio deve ser obsessão diária, sem deixar de atentar para a falsa equivalência. Os candidatos e suas propostas devem ser exaustivamente esquadrinhados, com cada descoberta sendo relativizada com precisão em relação à sua importância e ao que revela.

Não foram poucas às críticas à Folha, à direita e à esquerda, em razão de desequilíbrios editoriais. Lideraram as queixas à edição, considerada tímida por uns, de decisão preliminar da comissão de direitos humanos da ONU sobre a condenação de Lula e das manifestações do #elenão. Por outros, o que foi considerado um excesso de destaque para textos noticiosos e de opinião contra Bolsonaro.

Olhando para trás, lembrei que faltou humor, espaço integralmente ocupado pelas impagáveis imitações de Marcelo Adnet, no site de O Globo.

Em um ou outro momento lembrou-se da campanha ao Legislativo. Foi pouco, mas muito mais do que a quase inexistente campanha aos governos dos estados. O leitor não ficou sabendo o quadro político geral que estava se desenhando e provavelmente será surpreendido na segunda-feira.

As pesquisas de intenção de voto foram elemento decisivo para a interpretação da campanha. Só a hipótese de restringi-las, volta e meia tentada e sugerida, já se mostra uma ameaça grave ao direito de informação. Há muito a evoluir na apresentação e no aproveitamento dos dados dos levantamentos, além da preocupação de publicá-los sem erros de número e de interpretação, como ocorreu na Folha.

Na semana que passou, o pedido de autorização judicial da Folha para fazer uma entrevista com o ex-presidente Lula na prisão tornou-se motivo de embate jurídico e político.

O acirramento da disputa trouxe à tona preocupantes ameaças à liberdade de imprensa e de expressão. Chocou-me que jornais como O Estado de S. Paulo e O Globo tenham defendido em editoriais a censura ao trabalho jornalístico.

A boa notícia veio da opinião do brasileiro: o apreço à democracia bateu seu recorde. O Datafolha mostrou que 69% consideram que democracia é a melhor forma de governo. Uma informação relevante a consolar os pessimistas.

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