Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman
Descrição de chapéu melania-trump Donald Trump

O teor do caráter do Partido Republicano

Qual foi a última vez que você viu qualquer republicano importante admitir um erro?

Presidente norte-americano Donald Trump
Presidente norte-americano Donald Trump - AFP

Mesmo as pessoas que há muito aceitam a premissa de que Donald Trump é corrupto, egocêntrico e desonesto parecem um tanto chocadas pelas suas tiradas do último fim de semana. Usar o massacre em Parkland, Flórida, como desculpa para atacar o Serviço Federal de Investigações (FBI) por sua investigação da intervenção russa na eleição presidencial em favor de sua candidatura —e mentir sobre suas negativas passadas de que uma intervenção tenha acontecido— levam a vileza de Trump a um novo patamar, o que realmente impressiona, considerado seu retrospecto.

Mas se você parar para pensar, os mais recentes rompantes de Trump foram bem a caráter —e não estou falando apenas de seu caráter pessoal. Quando foi a última vez que você viu algum membro do governo Trump, ou, aliás, qualquer republicano importante, admitir um erro ou aceitar responsabilidade por problemas?

Não diga que as coisas sempre foram assim, porque é assim que as pessoas são. Pelo contrário: aceitar responsabilidade pelas próprias ações —ser um mensch [ter hombridade], como diziam meus pais— costumava ser visto como virtude essencial para os políticos e para os adultos em geral. E nisso como em muitas outras coisas, existe uma assimetria imensa entre os dois grandes partidos políticos norte-americanos. É claro que nem todos os democratas são honestos e retos; mas até onde vejo não resta praticamente pessoa alguma no Partido Republicano disposta a assumir a responsabilidade por...  bem, qualquer coisa que seja.

E não creio que isso aconteça por acaso. O teor lamentável do moderno caráter republicano é um sintoma da corrupção e hipocrisia que aflige metade de nosso organismo político - uma doença da alma que se manifesta no comportamento pessoal tanto quanto na política.

Antes que eu discorra sobre a doença, considere alguns exemplos - além de Trump - da falta de caráter da atual administração.

Na ponta mais trivial, mas ainda reveladora, da escala, temos a história de Scott  Pruitt, o diretor da Agência de Proteção Ambiental (EPA), que continua a voar em primeira classe à custa dos contribuintes. O dinheiro não é a questão importante, aqui, ainda que os gastos dele violem as diretrizes federais. O que é revelador, em lugar disso, é a suposta razão para que ele viaje em primeira classe: o fato de que passageiros da classe econômica fazem comentários críticos a seu respeito.

Lembre-se dessa história da próxima vez que alguém atacar os políticos progressistas por excesso de sensibilidade a críticas.

Mais sério é o comportamento de John Kelly, o chefe da casa civil de Trump, cujo histórico de difamação de críticos e recusa de admitir erros começa a se comparar ao de seu chefe. Você se lembra de quando Kelly fez falsas acusações contra a deputada federal Frederica Wilson e se recusou a retirar essas acusações mesmo depois que um vídeo demonstrou que elas eram falsas?

Mais recentemente, Kelly insistiu em que não estava plenamente informado sobre as acusações de abuso doméstico contra Rob Porter até - nas palavras de um funcionário da Casa Branca - "40 minutos antes de chutá-lo para fora" - uma afirmação que parece contradizer tudo que sabemos sobre o caso. Mesmo que a afirmação fosse verdade, um pedido de desculpa por sua desatenção pareceria necessário. Mas esses caras não pedem desculpas.

Oh, e aliás: Roy Moore ainda não admitiu formalmente sua derrota [na eleição ao Senado pelo Alabama em dezembro de 2017].

Ou seja, o problema não é só Trump. E não começou com Trump. Na verdade, já em 2006 eu escrevi sobre a falta de hombridade no governo Bush - sobre o fato de que os principais membros do governo se recusavam a assumir a responsabilidade pelos erros na ocupação do Iraque, pela resposta incompetente ao furacão Katrina, e mais.

E nem estamos falando apenas sobre os políticos. No meu campo, continuo atônito diante dos economistas de direita que se recusam a admitir que estavam errados ao prever que os esforços do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, para resgatar a economia causariam inflação galopante. Estar errado é uma coisa - acontece a todo mundo, e certamente já aconteceu comigo. Mas se recusar a admitir erros e aprender com eles é bem diferente.

E sejamos claros: a responsabilidade pessoal não está morta em toda parte. Hillary Clinton se desculpou por seus enganos iniciais na guerra do Iraque e por suas falhas na campanha de 2016 —e pelo menos admitiu ter cometido erros, coisa que ninguém do outro lado parece jamais fazer.

Assim, o que aconteceu ao caráter do Partido Republicano? Estou bem certo de que, nesse caso, o lado pessoal e o lado político se combinam. O Partido Republicano moderno, em dimensões jamais vistas na história dos Estados Unidos, é uma organização construída em torno da má-fé, de fingir que suas preocupações e metas são muito diferentes do que na verdade são. Eles se declaram patriotas e estão sempre acenando bandeiras, afirmam moralidade, fazem alertas severos sobre a probidade fiscal, mas tudo isso só serve para acobertar uma agenda subjacente cuja principal preocupação é tornar os plutocratas ainda mais ricos.

E as falhas de caráter do partido terminam sendo ecoadas pelas falhas de caráter de seus membros mais proeminentes. Eles são más pessoas que definiram sua afiliação política por conta de suas propensões pessoais ou são pessoas potencialmente boas corrompidas pelas companhias que escolheram? Provavelmente um pouco das duas coisas.

De qualquer forma, sejamos claros: os Estados Unidos em 2018 não são um lugar em que seja possível discordar sem discórdia, onde existem boas pessoas, dotadas de boas ideias, dos dois lados, ou onde qualquer outra homilia bipartidária que você deseje recitar se aplique. Em lugar disso, vivemos sob uma caquistocracia - uma nação governada pelos piores - e precisamos encarar essa desagradável realidade.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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