Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Pode acontecer com os americanos também

Estados Unidos estão perto de se tornarem outra Polônia ou Hungria

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Pouco depois da queda do Muro de Berlim, um amigo –especialista em relações internacionais– brincou dizendo que "agora que a Europa Oriental foi libertada da ideologia alienígena do comunismo, ela está livre para seguir seu caminho histórico verdadeiro: o fascismo". Mesmo na época, o gracejo tinha um lado muito real.

E em 2018, o que ele disse já não pode ser classificado como piada. O que a Freedom House define como "iliberalismo" está em ascensão em toda a Europa Oriental. Isso inclui Polônia e Hungria, dois países que 
continuam membros da União Europeia mas nos quais a democracia como normalmente a compreendemos já está morta.

Nos dois países, os partidos governantes –Lei e Justiça, na Polônia, e Fidesz, na Hungria– estabeleceram regimes que mantêm as formalidades do voto popular mas nos quais a independência do Judiciário foi destruída, a liberdade de imprensa suprimida, a corrupção em larga escala se institucionalizou, e a dissensão terminou eliminada, na prática. O resultado, pelo futuro previsível, provavelmente será a perpetuação de regimes de partido único.

O primeiro-ministro Viktor Orbán faz comício de encerramento de campanha em Szekesfehervar, na Hungria
O primeiro-ministro Viktor Orbán faz comício de encerramento de campanha em Szekesfehervar, na Hungria - Darko Vojinovic/AP

E o mesmo poderia facilmente acontecer nos Estados Unidos. Houve época, não muito tempo atrás, em que as pessoas costumavam dizer que nossas normas democráticas, nosso orgulhoso histórico de liberdade, nos protegeriam contra uma queda à tirania. Há quem ainda o diga. Mas acreditar nessa afirmação hoje requer cegueira deliberada. O fato é que o Partido Republicano está pronto, e até mesmo ansioso, por se tornar a versão americana do Lei e Justiça ou do Fidesz, explorando o poder político de que dispõe atualmente para fixar permanentemente o seu domínio.

Veja o que está acontecendo em nível estadual. Na Carolina do Norte, depois que um democrata conquistou o governo do estado, os republicanos aproveitaram os dias finais de seu antecessor no posto para aprovar leis que privam o executivo estadual de boa parte de seu poder.

Na Geórgia, os republicanos tentaram usar preocupações transparentemente falsas sobre o acesso de eleitores deficientes às urnas para fechar a maioria dos locais de votação em um distrito no qual a maioria dos eleitores é negra.

E esses são apenas os casos que receberam atenção nacional. Há certamente dezenas, quem sabe centenas, de histórias semelhantes, em todo o país. O que todas elas refletem é a realidade de que o moderno Partido Republicano não se apega aos ideais democráticos, e fará o que acreditar necessário para conseguir se firmar no poder permanentemente.

E quanto aos desdobramentos em nível nacional? É aí que as coisas se tornam realmente assustadoras. Estamos no fio da navalha, neste momento. Se cairmos na direção errada –especificamente, se os republicanos retiverem o controle das duas câmaras do Congresso na eleição de novembro–, nos tornaremos uma nova Polônia ou Hungria mais rápido do que você imagina.

Esta semana o site noticioso Axios causou sensação com um furo sobre uma planilha que está circulando entre os republicanos do Congresso, listando investigações que eles acham que os democratas conduzirão caso assumam o controle da Câmara dos Deputados. E o ponto quanto à lista é que tudo que consta dela –a começar das declarações de impostos de Donald Trump– é algo que obviamente deveria ser investigado, e que teria sido investigado, sob qualquer outro presidente. Mas as pessoas que estão distribuindo o documento claramente acreditam que os republicanos não lidarão com qualquer dessas questões. A lealdade partidária prevalecerá diante da responsabilidade constitucional.

Muitos críticos de Trump celebraram os desdobramentos judiciais da semana passada, tomando a condenação de Manafort e o acordo de admissão de culpa de Cohen como sinais de que o fim pode estar chegando, para o comandante em chefe dos violadores da lei. Mas ao ver a reação dos republicanos, minha sensação de medo se agravou. Diante de provas inegáveis do comportamento abrutalhado de Trump, seu partido cerrou fileiras em torno dele com ainda mais firmeza.

Um ano atrás, parecia possível que houvesse limites para a cumplicidade do partido, parecia que chegaria o ponto em que pelo menos alguns deputados federais e senadores diriam basta. Agora está claro que não há limites. Eles farão todo o necessário para defender Trump e consolidar seu poder.

Isso vale até mesmo para políticos que no passado pareciam ter princípios, ao menos em alguma medida. A senadora Susan Collins, do Maine, era uma voz independente no debate sobre o sistema de saúde. Agora ela não vê problema em termos um presidente que participou de uma conspiração e não foi indiciado, e que apontou para a Suprema Corte um jurista que acredita que presidentes devem ser imunes a processos. O senador Lindsey Graham criticou Trump em 2016 e até recentemente parecia se opor à ideia de demitir o secretário federal da Justiça ou pôr fim à investigação do procurador especial Robert Mueller; agora ele sinalizou que a demissão do secretário é aceitável.

Mas por que os Estados Unidos, o lugar de nascimento da democracia, estão tão perto de seguir o exemplo de outros países que escolheram destrui-la, recentemente?

Não venha me falar de "ansiedade econômica". Não foi isso que aconteceu na Polônia, que cresceu firmemente durante a crise financeira da década passada e depois dela. E não foi isso que aconteceu aqui em 2016. Estudo após estudo demonstra que foi o ressentimento racial, e não o desconforto econômico, que impeliu os eleitores de Trump.

O ponto é que estamos sofrendo da mesma doença –nacionalismo branco descontrolado– que já matou a democracia, para todos os fins práticos, em outros países ocidentais. E estamos muito, muito perto de um ponto sem volta.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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