Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu Governo Trump

Chilique de Trump permite que democratas escapem de armadilha política

Se o presidente apresentasse um programa de infraestrutura, adversários políticos teriam dificuldade para lhe negar vitória

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É preciso dizer que Nancy Pelosi foi muito esperta ao roubar os morangos do presidente Donald Trump, levando-o ao limiar da insanidade mental declarada.

Como todo mundo sabe, Trump abandonou uma reunião sobre o projeto de infraestrutura do governo, aparentemente tomado por raiva incontrolável diante das declarações de Pelosi de que a obstrução promovida pelo governo em todas as frentes, o que inclui o desafio direto a uma lei que exige que as declarações de impostos do presidente sejam encaminhadas ao Congresso, certamente parece ter por objetivo promover o acobertamento de alguma coisa (ou talvez diversas coisas). E os democratas deveriam estar gratos.

E não quero dizer apenas que eles deveriam estar gratos por Trump ter exibido seu claro despreparo para o posto –algo que está claro há muito tempo para os observadores atentos–, de uma maneira tão dramaticamente ensandecida que só os fanáticos deixaram de ver o fato. A atitude de Trump também ajudou seus adversários quanto a um dilema político.

O ponto é que um grande programa de infraestrutura é uma ideia muito boa, que os democratas encontrariam dificuldade para rejeitar, pensando friamente. Mas isso também seria politicamente positivo para Trump, ao ajudar a economia, dar um senso de progresso ao público e fazer com que ele se pareça um pouco mais com um presidente normal. E os democratas teriam problemas para evitar a entrega desse presente ao presidente.

É fato que os republicanos parecem escapar incólumes mesmo de manobras de sabotagem econômica gritante, quando um democrata ocupa a Casa Branca. Mas os democratas, em parte porque não contam com uma Fox News para insistir em que branco é preto e o que está no alto na verdade está por baixo, têm muito menos capacidade de fazê-lo.

Por sorte, Trump resolveu o problema deles.

Mas vamos começar pelo começo. Por que um programa de infraestrutura é uma ideia tão boa? Em parte porque nossos investimentos vêm sendo ineficientes há anos. O estado de nossas estradas, ferrovias, sistemas de água e assim por diante é prova suficiente. Além disso, a demanda por investimento do setor privado continua fraca, o que resulta em custos de captação baixos para o governo; os investidores estão basicamente implorando que o governo tome parte de seu dinheiro e faça algo de útil com ele.

Além de todas essas considerações, gastos com infraestrutura são especialmente desejáveis, em uma economia deprimida, ao colocar recursos ociosos para trabalhar de forma que promova o crescimento em longo prazo. Você pode argumentar que a economia dos Estados Unidos não está deprimida no momento.

E não está mesmo. Mas é muito mais frágil do que muita gente percebe. Quando chegar a próxima depressão –e sempre existe uma próxima recessão–, a resposta convencional, reduzir as taxas de juros, será quase certamente inadequada. Em média, quando uma recessão ataca, o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, reduz os juros em cinco pontos percentuais. Mas no momento as taxas nominais são de cerca de metade disso, e portanto o Fed não tem espaço para um corte. E quando a recessão chegar, será tarde demais para colocar um grande programa de infraestrutura em ação. O melhor é que já haja estímulos em operação.

Assim, um grande programa de infraestrutura faz muito sentido; e seria benéfico politicamente para Trump. Mas 30 meses depois da posse de Trump, e de uma série de "semanas da infraestrutura" que parecem surgir com ainda mais frequência que as viagens de golfe do presidente, nada aconteceu. Por que não?

Uma resposta é que os republicanos do Congresso não têm interesse em investir em infraestrutura. Veem qualquer forma de gasto público, por mais que seja justificada em termos estritamente econômicos, como problemática, porque parece legitimar um papel maior para o governo.

Outra resposta é que até agora os funcionários do governo Trump não se dispuseram a considerar um programa de infraestrutura tradicional, limpo –simplesmente construir coisas, como é costumeiro. Em lugar disso eles propuseram parcerias complexas entre os setores público e privado que na prática subsidiariam a privatização de ativos públicos. Foi fácil para os democratas rejeitar essas ideias e defini-las como algo completamente distinto de um programa de infraestrutura.

Depois das eleições legislativas de 2018, no entanto, começou a parecer que Trump, ansioso por uma vitória no campo das políticas públicas, poderia enfim estar disposto a dialogar sobre um verdadeiro programa de infraestrutura. E isso podia se tornar uma armadilha para os democratas, que teriam dificuldade para lhe negar essa vitória política.

Mas não foi o que aconteceu. Não vamos fingir que havia alguma estratégia política inteligente no abandono das negociações por Trump; a causa foi só sua imaturidade e insegurança, mas expostas de maneira ainda mais óbvia do que costuma ser o caso. E a tentativa de retratar Pelosi como descontrolada é tão ridícula que só as pessoas completamente iludidas - ou seja, cerca de um terço do país –seriam capazes de acreditar nela.

Assim, se eu fosse Pelosi ou [o senador Charles] Schumer, estaria agradecendo silenciosamente a Trump por seu momento de chilique, que os livrou de uma possível armadilha política.
 
The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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