Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Pavões e abutres rondam o déficit norte-americano

A única coisa fiscal a temer é o próprio temor fiscal

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Quase uma década se passou desde que publiquei uma coluna intitulada "Mitos da austeridade", advertindo que o alarmismo sobre o deficit retardaria a recuperação da Grande Recessão —e foi o que aconteceu. Infelizmente, esse tipo de alarmismo parece estar retornando.

Você pode ver esse retorno no aumento gradual do número de análises do noticiário enfatizando quanta dívida vamos contrair no combate à crise da Covid-19. Você também pode vê-lo na retórica de políticos como Mitch McConnell, o líder da maioria no Senado, que está bloqueando a ajuda aos governos estaduais e municipais em dificuldades porque, segundo ele, custaria caro demais.

Então esta parece uma boa ocasião para enfatizar dois fatos principais. Um é econômico: vamos contrair déficits fiscais muito grandes nos próximos anos, mas eles causarão pequeno ou nenhum mal. O outro é que, digam o que disserem, muito poucas figuras importantes na política ou na mídia são verdadeiros falcões do déficit que estão realmente preocupados com as consequências do aumento da dívida oficial.

O que poderemos ter, em vez disso, são pavões do deficit e abutres do déficit.

O termo "pavões do déficit" foi cunhado pelo Centro para o Progresso Americano para se referir às pessoas que se orgulham e fazem pose sobre combater os deficits sem oferecer propostas de políticas realistas. Eu ampliaria o termo para incluir o que eu costumava chamar de Pessoas Muito Sérias —as que protestam contra os males da dívida não porque fizeram uma análise cuidadosa, mas porque imaginam que isso as faz parecer honestas e sérias.

Os dias gloriosos dos pavões do deficit foram os anos 2010, era em que pessoas como Alan Simpson e Erskine Bowles foram leonizados pela mídia noticiosa. Como notou na época Ezra Klein, da Vox, por algum motivo "as regras habituais da neutralidade jornalística não se aplicam quando se trata do déficit"; a sabedoria e a virtude dos guerreiros do deficit eram simplesmente tidas como certas.

Não ouvimos muita coisa dos pavões do déficit nos últimos anos, apesar de o deficit orçamentário, que diminuiu acentuadamente durante os anos Obama, terem subido de novo com Donald Trump. É engraçado como isso funciona. Mas você pode ter a certeza de que eles voltarão com força se Joe Biden vencer em novembro.

E os abutres do déficit? Essa é a expressão que tenho usado para os políticos que exploram distúrbios fiscais reais ou imaginários para alimentar uma agenda de políticas reacionárias.

Depois da última crise, os conservadores usaram os déficits como desculpa para cortar programas sociais —por exemplo, vários estados tornaram muito mais difícil receber benefícios ao desemprego. Desta vez, McConnell e Trump estão tentando explorar os temores do déficit para forçar os governos estaduais a reduzir, minar (e possivelmente privatizar) os correios e outras empresas.

É quase desnecessário dizer que os abutres do déficit são hipócritas. Afinal, Trump e McConnell fizeram aprovar um corte fiscal de US$ 2 trilhões em 2017, sem uma preocupação aparente com os efeitos do déficit. Tampouco ouvi algum republicano se queixar das enormes ajudas de Trump aos agricultores, cujos problemas são amplamente consequência de suas próprias políticas.

Um aparte: grande quantidade de reportagens sobre essas questões envolvem o que o economista Dean Baker chama de leitura de mente. Isto é, análises de notícias incluem declarações nas linhas de "republicanos preocupados com o aumento dos déficits", quando na verdade tudo o que sabemos é que os republicanos dizem estar preocupados com os déficits crescentes —e há muito boas razões para desconfiar dessa afirmação. Afinal, os republicanos modernos algum dia viram os déficits como restrição à sua própria agenda de cortes fiscais? Uma vez sequer?

Mas, deixando de lado a hipocrisia, devemos nos preocupar com as consequências da Covid-19 sobre a dívida? Não.

É verdade que rumamos para alguns números de arregalar os olhos. Na semana passada o Escritório de Orçamento do Congresso lançou projeções econômicas e orçamentárias para os próximos dois anos que foram ao mesmo tempo chocantes e nada surpreendentes.

Isto é, os números eram tristes, mas mais ou menos na linha do que muitos economistas independentes previam. Em particular, o Escritório de Orçamento espera que a crise da Covid-19 leve o índice de desemprego a 16% em alguns meses, o que pode até ser otimista.

O aumento do desemprego fará as receitas federais despencarem e também levará a um surto de gastos em programas de segurança social como seguro-desemprego, Medicaid e cupons de alimentação. E nos grandes pacotes de ajuda que o Congresso aprovou, e o Escritório de Orçamento projeta um déficit que subirá temporariamente a níveis que não vemos desde a Segunda Guerra Mundial, e espera que a dívida federal suba de 79% do PIB para 108%, o que parece assustador.

Mas o governo poderá emprestar esse dinheiro com taxas de juros incrivelmente baixas. Na verdade, as taxas de juros reais —taxas sobre títulos do governo protegidos contra a inflação— são negativas. Por isso o peso da dívida adicional medida pelo aumento de pagamentos de juros federais será desprezível. E não, não precisamos nos preocupar com saldar a dívida; nunca o faremos, e tudo bem.

A conclusão é que neste momento a única coisa que devemos temer dos déficits é o próprio déficit. Não deem atenção aos pavões e abutres: nesta época de pandemia, podemos e devemos gastar o que for preciso para limitar os danos.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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