Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Como Biden vai lidar com a sabotagem republicana?

Democrata precisa começar a falar sobre ações imediatas de política pública para ajudar a população

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Quando Joe Biden tomar posse, ele terá de enfrentar imediatamente um desafio sem precedentes –e não estou falando da pandemia, embora a Covid-19 com certeza deva continuar a matar milhares de americanos a cada dia. Mas estou falando, em lugar disso, do fato de que ele será o primeiro presidente americano moderno a tentar governar diante de uma oposição que se recusa a aceitar sua legitimidade. E não, os democratas jamais disseram que Donald Trump era ilegítimo, mas sim que ele era incompetente e perigoso.

Não é nem necessário dizer que Trump, cujas teorias da conspiração se tornam mais desvairadas a cada dia, jamais admitirá a derrota, e que milhões de seus seguidores sempre acreditarão –ou pelo menos dirão que acreditam– que a eleição foi roubada. A maioria dos republicanos do Congresso certamente sabe que isso é mentira, ainda que mesmo no Capitólio haja mais gente louca do que gostaríamos de imaginar. Mas isso não importa; eles continuarão a não aceitar que Biden tem qualquer legitimidade, mesmo que ele tenha vencido no voto popular por larga margem.

Joe Biden discursa na véspera do Dia de Ação de Graças
Joe Biden discursa na véspera do Dia de Ação de Graças - Joshua Roberts - 25.nov.20/Reuters

E isso não acontecerá simplesmente por conta da reação adversa das bases caso eles admitam que Trump foi derrotado de forma limpa e justa. Em um nível fundamental –e completamente distinto do fator Trump–, o Partido Republicano não acredita que os democratas nem mesmo tenham o direito de governar, não importa quantos votos recebam.

Afinal, nos últimos anos vimos o que acontece quando um Estado no qual o Legislativo é dominado pelos republicanos elege um democrata como governador. Os legisladores tentam privar o governador de seus poderes. Assim, alguém duvida de que os republicanos farão tudo que puderem para minar e sabotar a presidência de Biden? A única questão é determinar o tamanho do estrago que o Partido Republicano pode causar, e como Biden responderá.

A resposta à primeira pergunta depende muito do que acontecer em 5 de janeiro, no segundo turno das eleições para o Senado na Geórgia. Se os democratas conquistarem as duas cadeiras em disputa, terão um controle efetivo, ainda que estreito, das duas casas do Congresso. Caso isso não aconteça, Mitch McConnell terá enormes poderes de obstrução –e alguém que duvide que ele usará esses poderes a fim de solapar Biden de toda as formas possíveis vive em um mundo de fantasia.

Mas quanto estrago essa obstrução será capaz de causar? Em termos de política econômica –e só comentarei sobre isso, nesta coluna– o futuro próximo poderá ser dividido em duas eras, pré e pós-vacina (ou, mais precisamente, pós-disseminação ampla de uma vacina).

Pelos próximos meses, enquanto a pandemia continua a correr fora de controle, dezenas de milhões de americanos estarão em situação muito precária a menos que o governo federal interceda para ajudar. Infelizmente, os republicanos podem estar em posição para bloquear essa ajuda.

A boa notícia sobre esse futuro muito próximo, apesar de tudo, é que os americanos provavelmente (e com razão) culparão Donald Trump, e não Joe Biden, pelas misérias que estiverem sofrendo –e esse simples fato pode forçar os republicanos a liberar algum dinheiro.

E quanto à economia pós-vacina? Uma vez mais, temos algumas boas notícias nesse aspecto, ao menos potencialmente: quando uma vacina estiver amplamente disponível, é provável que vejamos uma recuperação econômica espontânea, que não dependerá da cooperação dos republicanos. Mas não há como termos certeza disso.

Os republicanos podem se recusar a confirmar qualquer indicado para os principais postos econômicos. Há sempre a possibilidade de uma nova crise financeira –e os subordinados de Trump que estão a caminho da saída vêm solapando sistematicamente a capacidade do novo governo para enfrentar essa crise, caso ela aconteça. E os Estados Unidos precisam desesperadamente de ação sobre questões que variam da infraestrutura à mudança do clima e fiscalização tributária, e isso não acontecerá caso os republicanos mantenham seu poder de bloqueio.

O que Biden pode fazer, portanto?

Primeiro, ele precisa começar a falar sobre ações imediatas de política pública para ajudar os americanos comuns, nem que seja para deixar claro aos eleitores da Geórgia o estrago que será causado caso eles não elejam democratas para aqueles dois assentos no Senado.

Se os democratas não conquistarem esses assentos, Biden terá de usar decretos a fim de realizar o máximo possível a despeito da possível obstrução republicana –embora a maioria conservadora criada por Trump na Suprema Corte possa tentar bloqueá-lo nessas ações.

Por fim, ainda que Biden continue a falar de maneira confortadora sobre unidade e sobre buscar o apoio da oposição, em algum momento ele terá de deixar de nos reassegurar que é diferente de Trump e de começar a fazer com que os republicanos paguem o preço político por suas tentativas de impedi-lo de governar.

Não quero dizer, com isso, que ele deveria se comportar como Trump, exigindo represálias contra seus inimigos –ainda que seja importante permitir que o Departamento da Justiça faça seu trabalho e processe os responsáveis por quaisquer crimes cometidos na era Trump que forem encontrados.

Não. O que Biden precisa fazer é o que Harry Truman fez em 1948, quando ele criou apoio político dirigindo sua campanha contra os republicanos que impediam que qualquer coisa fosse feita. E ele terá argumentos melhores do que Truman teve, porque os republicanos de hoje são infinitamente mais corruptos e menos patrióticos do que os republicanos que Truman encarou.

Os resultados da eleição deste ano, com uma vitória de Biden mas bom desempenho dos republicanos nas demais categorias, nos dizem que o eleitor americano ainda não compreende de todo o que o Partido Republicano moderno realmente defende. Biden precisa deixar esse ponto claro e fazer com que os republicanos paguem pela sabotagem que todos sabemos estar chegando.

Tradução de Paulo Migliacci

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