Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Crime: delírios vermelhos sobre realidade roxa

Não, os democratas não são responsáveis pelo aumento da criminalidade

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Durante o debate pelo governo de Oklahoma na semana passada, Joy Hofmeister, a candidata democrata surpreendentemente competitiva, se dirigiu a Kevin Stitt, o atual governador republicano que –como muitos em seu partido– está concorrendo como defensor da lei e da ordem.

"O fato é que as taxas de crimes violentos em Oklahoma estão mais altas sob seu mandato do que em Nova York e na Califórnia", afirmou ela.

Stitt respondeu rindo e virou-se para o público: "Oklahomanos, vocês acreditam que temos mais crimes do que Nova York ou a Califórnia?"

Percepções do público sobre crimes muitas vezes estão em desacordo com a realidade - Getty Images via AFP

Mas Hofmeister estava completamente certa. Na verdade, quando se trata de homicídio, a forma de crime violento que pode ser medida mais confiavelmente, não chega nem perto: em 2020, a taxa de homicídios de Oklahoma foi quase 50% maior que a da Califórnia, quase o dobro da de Nova York, e esse ranking provavelmente não mudou.

Stitt não sabia desse fato? Ou estava apenas contando com a ignorância de seu público? Se foi o último caso, ele pode, infelizmente, ter feito a opção certa. As percepções do público sobre o crime muitas vezes estão em desacordo com a realidade. E neste ano eleitoral os republicanos estão tentando explorar um dos maiores equívocos: que o crime é um problema de cidade grande e estado azul (democrata).

Os americanos não estão errados em se preocupar com a criminalidade. Em todo o país, os crimes violentos aumentaram substancialmente em 2020; ainda não temos dados completos, mas os assassinatos parecem ter crescido ainda mais em 2021, embora pareçam estar diminuindo novamente.

Ninguém sabe ao certo o que causou o aumento –assim como ninguém sabe ao certo o que causou o declínio épico da criminalidade de 1990 até meados da década de 2010, sobre o quê falarei mais brevemente. Mas, dado o momento, os efeitos sociais e psicológicos da pandemia são os mais prováveis culpados, com um possível papel secundário para os danos às relações polícia-comunidade causados pelo assassinato de George Floyd.

Embora o aumento da criminalidade tenha sido real, no entanto, a ideia de que se tratava apenas de grandes cidades administradas por democratas é falsa. Esta foi uma onda de crimes roxa, com taxas de homicídio aumentando aproximadamente na mesma proporção nos estados vermelhos, que votaram em Trump, e nos estados azuis, que votaram em Biden. Os homicídios aumentaram acentuadamente tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais. E se olharmos para níveis, em vez de taxas de mudança, tanto os homicídios quanto os crimes violentos em geral são geralmente mais altos nos estados vermelhos.

Então, por que tantas pessoas acreditam no contrário? Antes de chegarmos à desinformação por motivos políticos, vamos falar sobre alguns outros fatores que podem ter distorcido as percepções.

Um fator é a visibilidade. Como apontou Justin Fox, da agência Bloomberg, a cidade de Nova York é um dos lugares mais seguros dos Estados Unidos –mas é mais provável que você veja um crime, ou conheça alguém que tenha visto um crime, do que em outros lugares, porque a cidade tem uma densidade populacional muito maior que qualquer outro lugar, o que significa que com frequência há muitas testemunhas por perto quando algo ruim acontece.

Outro fator pode ser a tendência humana a acreditar em histórias que confirmam nossos preconceitos. Muitas pessoas sentem instintivamente que ser duro com os criminosos é uma estratégia anticrime eficaz, então elas tendem a supor que os lugares que são menos duros –por exemplo, os que não processam alguns crimes não violentos– devem sofrer mais crimes como resultado. Isso não parece ser verdade, mas pode-se ver por que as pessoas talvez acreditem.

Tais equívocos são facilitados pela longa desconexão entre a realidade do crime e as percepções do público. A criminalidade violenta caiu pela metade entre 1991 e 2014, mas durante quase todo esse período a grande maioria dos americanos disse a pesquisas de opinião que o crime estava aumentando.

No entanto, apenas uma minoria acreditava que estava crescendo em sua própria área. Essa tendência a acreditar que a criminalidade é terrível, mas principalmente em outro lugar, foi confirmada por uma pesquisa de agosto que mostra uma enorme lacuna entre o número de americanos que consideram o crime violento um problema sério em nível nacional e o número muito menor que o vê como um problema sério onde eles vivem.

O que nos leva aos esforços da mídia de direita e dos republicanos para usar a criminalidade como arma acusatória na eleição de meio de mandato –esforços que, é preciso admitir, estão se mostrando eficazes, apesar de a amplitude da onda de crimes, afetando mais ou menos igualmente estados vermelhos e azuis, áreas rurais e urbanas e assim por diante, sugerir que não é culpa de ninguém.

É possível que essas tentativas tivessem ganhado força não importa o que os democratas fizessem. Também é verdade, porém, que poucos democratas reagiram de forma eficaz.

Em Nova York, a governadora Kathy Hochul chegou muito atrasada à festa, aparentemente percebendo apenas alguns dias atrás que o crime era uma questão importante que ela precisava resolver. Por outro lado, Eric Adams, prefeito da cidade de Nova York, parece alimentar o medo, declarando que "nunca tinha visto a criminalidade nesse nível", afirmação desmentida pelos dados de seu próprio Departamento de Polícia. Mesmo após o aumento de 2020-21, a criminalidade grave em Nova York continuou muito abaixo do pico de 1990 e, na verdade, ainda era menor do que quando Rudy Giuliani era prefeito.

Não sou político, mas não parece que isso seja difícil. Por que não reconhecer a validade das preocupações com o recente aumento da criminalidade, ao mesmo tempo em que aponta que direitistas que falam duro sobre a questão não parecem ser bons em manter a taxa de crimes baixa?

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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