Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman
Descrição de chapéu Partido Republicano

Preparando-se para a chantagem republicana da dívida

Democratas devem fazer o que for preciso para bloquear a extorsão

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Ninguém sabe ao certo o que acontecerá nas eleições de meio de mandato nos Estados Unidos, em 8 de novembro. Mas se os republicanos dominarem uma ou ambas as casas do Congresso a questão principal será aquela que dificilmente receberá atenção do público: o que o governo Biden fará quando o Partido Republicano ameaçar explodir a economia mundial, recusando-se a aumentar o limite da dívida?

Em particular, os democratas estarão preparados para tomar as medidas extraordinárias que a situação exigirá, fazendo o que for necessário para evitar que sejam chantageados?

Capitólio dos Estados Unidos, sede do poder legislativo americano - Joshua Roberts - 8.mar.2021/Reuters

Observe que eu disse "quando", e não "se". Depois que os republicanos controlaram a Câmara, em 2010, rapidamente usaram o limite da dívida como arma contra o governo Obama, para conseguir cortes de gastos que não poderiam ter alcançado pelos meios legislativos normais. Esse foi um Partido Republicano pré-Maga ("Make America Great Again", faça os EUA grandes novamente), que na maioria das vezes não negou a legitimidade do presidente e não pediu desculpas por insurreições violentas.

Na verdade, eu me pergunto se os republicanos tentarão seriamente obter concessões desta vez, em oposição a simplesmente criar o caos.

Observe também que eu disse "explodir a economia mundial", não apenas paralisar o governo dos EUA. Pois as consequências de forçar uma moratória da dívida federal, que é o que aconteceria se se recusarem a aumentar o limite, iriam muito além das operações do próprio governo federal.

Vamos recuar e falar sobre por que isso é um problema. A lei dos EUA, por razões históricas, exige que o Congresso vote o orçamento duas vezes. Primeiro, senadores e deputados promulgam legislação que estabelece alíquotas de impostos e autoriza gastos. Essa legislação acaba determinando o equilíbrio do orçamento federal. Mas se acabarmos entrando em déficit o Congresso deve votar uma segunda vez, para autorizar empréstimos para cobrir esse déficit.

Não está claro se esse procedimento algum dia fez sentido. De qualquer forma, nos tempos modernos, o limite da dívida potencializa posicionamentos covardes: os políticos podem reivindicar responsabilidade fiscal, recusando-se a votar um limite de dívida mais alto, sem especificar como o orçamento deve ser equilibrado.

E "devemos eliminar gastos desnecessários" não é uma resposta honesta. O governo federal é basicamente uma companhia de seguros gigante com um exército: os gastos são dominados pela Previdência Social, Medicare, Medicaid e militares, e os eleitores querem manter todos esses programas. Certamente há desperdício no governo, como em qualquer grande organização, mas mesmo que pudéssemos de alguma forma fazer esse desperdício desaparecer não adiantaria muito para reduzir o déficit.

Alguém seriamente preocupado com o déficit pode exigir impostos mais altos. Afinal, a carga tributária dos EUA é baixa em comparação com outros países ricos. Mas os republicanos não vão para esse lado.

Para onde eles vão? Há muitas evidências de que os republicanos, se puderem, tentarão usar o limite da dívida para extorquir grandes cortes na Previdência Social e no Medicare. Eles provavelmente não conseguiriam aprovar tais cortes –que seriam profundamente impopulares– pelo processo legislativo normal, e certamente não teriam votos suficientes para anular um veto de Biden. Mas a ideia seria forçar os democratas à cumplicidade, para que o público não perceba quem é o responsável pelo problema.

E esse é o melhor cenário. Como eu disse, o Partido Republicano é muito mais radical hoje do que era há mais de uma década, e pode estar menos interessado em atingir metas políticas do que em explodir a economia mundial sob o comando de um presidente democrata.

Por que a recusa a aumentar o limite da dívida explodiria a economia? No mundo moderno, a dívida dos EUA desempenha um papel crucial: é o ativo seguro definitivo, facilmente convertido em dinheiro, e não há boas alternativas. Se os investidores perderem a confiança em que o governo dos EUA honrará suas obrigações, a tempestade financeira resultante fará o recente caos no Reino Unido parecer uma chuva passageira.

Então, o que deve ser feito para evitar essa ameaça? Se os republicanos ganharem o controle de uma ou de ambas as casas do Congresso em novembro, os democratas devem usar a sessão do "pato manco", após a eleição, para aprovar um aumento muito grande do limite da dívida, suficiente para colocar a questão no gelo durante anos. Republicanos e analistas que não entendem o que está em jogo atacariam furiosamente essa medida, mas seria muito melhor do que permitir a extorsão –e provavelmente estaria esquecida ao chegarem as eleições de 2024.

Se por algum motivo os democratas não derem esse passo óbvio, o governo Biden deve estar preparado para recorrer a estratégias legais para contornar o limite da dívida. Parece haver várias brechas que o governo poderia explorar –cunhar moedas de platina de trilhões de dólares é a mais famosa, mas há outras, como a emissão de títulos sem data de vencimento e, portanto, sem valor de face.

O governo Obama não estava disposto a seguir nenhum desses caminhos, em grande parte, acho eu, porque acreditava que eles pareceriam enigmáticos e indignos, e preferiu buscar um compromisso. Mas certamente os democratas não precisam se preocupar com a dignidade quando o outro partido é comandado por Donald Trump. E, de todo modo, agora eles estão enfrentando adversários que não são apenas radicais, mas também antidemocráticos; nenhuma concessão real é possível.

É claro, nada disso será relevante se os democratas dominarem o Congresso. Mas eles devem se preparar para o pior.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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