Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Paul Krugman

Vamos sentir saudade da ganância e do cinismo

Muitos republicanos eleitos são hoje verdadeiros fanáticos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

The New York Times

É 2023. O que o novo ano trará? A resposta, claro, é que não sabemos. Há um bom número do que Donald Rumsfeld (lembram dele?) chamava de "incógnitas conhecidas" –por exemplo, ninguém realmente sabe quão difícil será reduzir a inflação ou se a economia dos Estados Unidos sofrerá uma recessão. Também há incógnitas desconhecidas: teremos outro choque como a invasão da Ucrânia pela Rússia?

Mas acho que posso fazer uma previsão segura sobre o cenário político dos EUA: passaremos grande parte de 2023 sentindo saudade dos bons velhos tempos de ganância e cinismo.

Até 2015, eu e muitos outros pensávamos ter uma boa ideia de como funcionava a política americana. Não era bonito, mas parecia compreensível.

A deputada republicana Marjorie Taylor Greene - Amanda Andrade-Rhoades - 17.nov.2022/Reuters

De um lado, tínhamos os democratas, que eram e ainda são basicamente o que as pessoas em outros países avançados chamam de social-democratas (o que não tem nada a ver com o que a maioria das pessoas chama de socialistas). Ou seja, eles defendem uma rede de segurança social razoavelmente forte, sustentada por impostos relativamente altos sobre os ricos. Eles se deslocaram um pouco para a esquerda ao longo dos anos, principalmente porque a saída gradual dos poucos democratas conservadores que restavam tornou mais firme a orientação social-democrata do partido. Mas pelos padrões internacionais os democratas americanos são, no máximo, vagamente de centro-esquerda.

Do outro lado, tínhamos os republicanos, cujo objetivo primordial era manter os impostos baixos e os programas sociais reduzidos. Muitos defensores dessa agenda o fizeram acreditando sinceramente que seria melhor para todos –que impostos altos reduzem os incentivos para gerar empregos e aumentar a produtividade, assim como benefícios excessivamente generosos. Mas o cerne do apoio financeiro ao Partido Republicano (sem mencionar a névoa de pensadores, fundações e grupos de lobby que promoveram sua ideologia) vinha de bilionários que queriam preservar e aumentar sua riqueza.

Para ser claro, não estou sugerindo que os democratas fossem idealistas puros. O dinheiro de interesses especiais fluiu para ambas as partes. Mas, dos dois, os republicanos eram muito obviamente o partido de tornar os ricos mais ricos.

O problema dos republicanos é que sua agenda econômica era inerentemente impopular. Os eleitores sempre dizem aos pesquisadores que as corporações e os ricos pagam muito pouco em impostos; as políticas que ajudam os pobres e a classe média têm amplo apoio público. Como, então, o Partido Republicano poderia ganhar eleições?

A resposta, descrita no famoso livro de Thomas Frank de 2004, "What’s the Matter With Kansas?" [Qual é o problema do Kansas?], era conquistar os eleitores brancos da classe trabalhadora atraindo-os para questões culturais. Seu livro recebeu críticas consideráveis de cientistas políticos, em parte porque subestimou a importância do antagonismo racial branco, mas o quadro geral ainda parece correto.

Como Frank a descreveu, entretanto, a guerra cultural era basicamente falsa –um estratagema cínico para ganhar eleições, ignorado depois que os votos eram contados. "Os líderes da reação podem falar de Cristo", escreveu ele, "mas eles andam como corporativos. … O aborto nunca é detido. A ação afirmativa nunca é abolida. A indústria cultural nunca é forçada a melhorar sua atuação."

Hoje em dia, isso soa estranho –até um pouco como uma era de ouro–, enquanto muitas americanas perdem seus direitos reprodutivos, as escolas são pressionadas a parar de ensinar os alunos sobre escravidão e racismo, até corporações poderosas são criticadas por ter excessiva consciência social. A guerra cultural não é mais apenas uma afetação de políticos interessados principalmente em cortar impostos para os ricos; muitos republicanos eleitos são hoje verdadeiros fanáticos.

Como eu disse, pode-se quase sentir saudade dos bons velhos tempos de ganância e cinismo.

Estranhamente, a guerra cultural tornou-se real numa época em que os americanos estão mais socialmente liberais do que nunca. George W. Bush venceu a eleição de 2004 em parte graças a uma reação contra o casamento gay. (Como era de esperar, ele logo após a vitória proclamou que tinha um mandato para... privatizar a Seguridade Social.) Mas hoje em dia os americanos aceitam a ideia de casamentos entre pessoas do mesmo sexo quase três para um.

E a desconexão entre um Partido Republicano socialmente iliberal e um público cada vez mais tolerante é certamente uma das razões pelas quais a grande onda vermelha (republicana) prevista nas eleições intermediárias ficou tão aquém das expectativas.

No entanto, apesar do baixo desempenho no que deveria ter sido, dados os precedentes, um ano muito bom para o partido, os republicanos controlarão a Câmara por pouco. E isso significa que os internos estarão administrando metade do asilo.

É verdade que nem todos os membros da nova bancada republicana na Câmara são teóricos da conspiração fanáticos. Mas os que não são estão claramente apavorados e submetidos aos que são. Kevin McCarthy pode juntar os votos para ser o presidente, mas mesmo que o consiga o poder real obviamente estará nas mãos de pessoas como Marjorie Taylor Greene.

O que eu não entendo é como o governo dos EUA vai funcionar. O presidente Barack Obama enfrentou uma Câmara republicana extremista e radicalizada, mas até os membros do Tea Party tinham demandas políticas concretas que poderiam, até certo ponto, ser apaziguadas. Como você lida com pessoas que acreditam, mais ou menos, que a eleição de 2020 foi roubada por uma vasta conspiração de pedófilos?

Não sei a resposta, mas as perspectivas não parecem boas.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.