Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Por que os Estados Unidos estão endurecendo no comércio

Maioria das tarifas impostas por Trump acabou, mas as contra a China continuam em vigor

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The New York Times

Lembra quando as guerras comerciais de Donald Trump eram notícia de primeira página? Nesta altura, as preocupações com a política tarifária de Trump parecem quase estranhas: quem se importa se um insurrecionista também é protecionista?

Mas algumas das tarifas impostas por Trump ainda estão em vigor, e na sexta-feira (9) a OMC (Organização Mundial do Comércio), que deveria impor regras para o comércio global, declarou que a justificativa oficial para essas tarifas –que são necessárias para proteger a segurança nacional dos EUA– é ilegítima.

E o governo Biden, por sua vez, disse à OMC –em linguagem surpreendentemente direta– para dar um passeio.

Biden discursa durante cerimônia em Washington - Brendan Smialowski - 8.dez.2022/AFP

Esse é um assunto muito importante, muito maior que as crises tarifárias de Trump. O governo Biden se tornou notavelmente duro no comércio, de maneiras que fazem sentido dada a situação do mundo, mas também me deixam muito nervoso. Trump pode ter arfado e bufado, mas Biden está silenciosamente mudando os fundamentos básicos da ordem econômica mundial.

Desde 1948, o comércio entre as economias de mercado é regido pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT na sigla em inglês), que estabelece certas regras básicas para... tarifas e comércio. Em 1994, o GATT foi incorporado às regras da OMC.

O sistema GATT/OMC não impõe nenhum nível específico de tarifas. No entanto, proíbe os países de imporem novas tarifas ou outras restrições ao comércio internacional –na verdade, bloqueia os resultados de acordos comerciais anteriores– exceto sob certas condições específicas. Uma dessas condições, estabelecida no Artigo 21, diz que um país pode tomar medidas "que considere necessárias para a proteção de seus interesses essenciais de segurança".

Se isso soa impreciso, é porque é. E Trump claramente abusou do privilégio, alegando que precisávamos de tarifas sobre aço e alumínio para nos protegermos da grave ameaça das… importações do Canadá.

Acontece que as tarifas sobre os metais canadenses terminaram, assim como a maioria das tarifas semelhantes na Europa (embora o acordo de lá não chegue ao livre comércio total). Mas as tarifas para a China continuam em vigor. Mais importante, o governo Biden declarou que a OMC não tem jurisdição no assunto: cabe aos Estados Unidos determinar se suas ações comerciais são necessárias para a segurança nacional, e uma organização internacional não tem o direito de questionar essa avaliação.

Espere, o quê? De acordo com a direita, Biden e companhia são globalistas, moles com a China e sem vontade de defender os EUA. Por que eles ficaram tão duros?

Parte da resposta é que os formuladores de políticas americanos estão mais conscientes do que nunca das ameaças que os regimes autocráticos podem representar para as democracias do mundo. A invasão da Ucrânia pela Rússia mostrou que os ditadores às vezes recorrem à força militar mesmo quando isso não faz sentido racional, e a tentativa de Vladimir Putin de punir a Europa cortando o fluxo de gás natural salienta o risco de chantagem econômica.

A China não é a Rússia, mas também é uma autocracia (e parece estar se tornando mais, e não menos, autocrática com o tempo). E o governo Biden está tentando limitar a capacidade da China de causar danos, com foco especial nos semicondutores, que desempenham um papel tão central no mundo moderno.

De um lado, os Estados Unidos agora estão subsidiando a produção doméstica de semicondutores, visando reduzir a dependência da China entre outros fornecedores. Ainda mais drasticamente, os EUA impuseram novas regras destinadas a limitar o acesso da China à tecnologia avançada de semicondutores –ou seja, estamos tentando deliberadamente prejudicar a capacidade tecnológica chinesa. Isso é bastante draconiano; você pode ver por que estou um pouco nervoso.

O problema é que é fácil imaginar a China apelando para a OMC, argumentando que essas ações violam as regras do comércio internacional. Mas os Estados Unidos já sinalizaram de antemão que isso não importa, que consideram essas políticas fora da jurisdição da OMC.

Mas espere, tem mais. A maior conquista política do governo Biden até agora é a aprovação da Lei de Redução da Inflação, que apesar de seu nome trata basicamente do combate às mudanças climáticas. Ela o faz principalmente subsidiando a energia limpa, o que é bom. Mas os subsídios têm um forte aspecto nacionalista –por exemplo, créditos fiscais para carros elétricos são restritos a veículos montados na América do Norte.

Quase com certeza, esse nacionalismo econômico –que permite que os ativistas climáticos apontem para todos os empregos criados pelos subsídios à energia verde– foi essencial para a aprovação do projeto de lei. Mas ele viola as regras comerciais? Não tenho certeza de como o governo Biden defenderá essa política se for contestado, mas pode dizer que proteger o meio ambiente é uma questão de segurança nacional.

Essa também pode ser a defesa oferecida para uma proposta de acordo EUA-Europa para impor "tarifas baseadas no clima" sobre o aço chinês.

Mas se os Estados Unidos, que essencialmente criaram o sistema comercial do pós-guerra, estão dispostos a burlar as regras para perseguir seus objetivos estratégicos, isso não apresenta o risco de fazer o protecionismo crescer mundialmente? Sim.

No entanto, acho que o governo Biden está fazendo a coisa certa. O GATT é importante, mas não mais importante do que proteger a democracia e salvar o planeta.

Traduzido por Luiz Roberto M. Gonçalves

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