Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Revisando o verão da estagflação

Por que os pessimistas econômicos entenderam isso tão errado?

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Não sei se haverá surpresas no discurso do Estado da União. Sei que o pano de fundo do discurso será muito diferente do que a grande maioria dos especialistas esperava alguns meses atrás.

Afinal, a esta altura, a Presidência de Joe Biden deveria estar efetivamente encerrada —seu taco político destruído por uma onda republicana devastadora nas eleições de meio de mandato, sua credibilidade política eviscerada por uma recessão e alta inflação.

Bem, a onda vermelha era mais uma marola. E os números econômicos recentes têm sido surpreendentemente favoráveis. Meio milhão de empregos foram criados no mês passado, elevando a geração total de empregos sob Biden para 12 milhões até agora, com a taxa de desemprego caindo para 3,4%, seu nível mais baixo desde 1969. A inflação foi alta em 2021 e parte de 2022, mas caiu desde então; nos últimos seis meses, os preços ao consumidor subiram a uma taxa anual abaixo de 2%.

Joe Biden fala à imprensa na Casa Branca - Andrew Caballero-Reynolds - 2.fev.23/AFP

Se as notícias econômicas parecem boas demais para ser verdade, provavelmente é porque são. A maioria dos especialistas com quem converso acha que o relatório de emprego gigante de janeiro foi uma anomalia estatística. Os números da inflação refletem vários fatores temporários, embora sigam nas duas direções; não ficarei surpreso se a inflação subir um pouco nos próximos meses, mas isso não é certeza.

O que está claro, no entanto, é que até alguns meses atrás, muitos, senão a maioria, dos prognósticos econômicos eram muito negativos sobre as perspectivas dos Estados Unidos. Em particular, passamos pelo que considero o verão da estagflação –um período, na verdade estendendo-se um pouco pelo outono, em que muitos economistas influentes fizeram pronunciamentos extremamente sombrios sobre o que seria necessário para controlar a inflação.

E acho importante perguntar por que eles estavam tão errados.

Agora, mostre-me um economista que não fez nenhuma previsão incorreta e eu lhe mostrarei alguém que não assume riscos intelectuais suficientes. Fiz muitas apostas ruins ao longo dos anos; em particular, não esperava que a inflação aumentasse da maneira como ocorreu.

Dito isso, tenho revisado as mais influentes dessas análises pessimistas e é surpreendente como elas eram sombrias em comparação com o que realmente aconteceu. Mais notoriamente, em junho último, Larry Summers declarou –com uma especificidade louvável– que conter a inflação exigiria cinco anos de 6% de desemprego, dois anos de 7,5% de desemprego ou um ano de 10% de desemprego.

Outro artigo influente, apresentado no Instituto Brookings em setembro, também previu que a inflação permaneceria muito alta, a menos que houvesse um grande aumento do desemprego.

Para ser justo, a inflação talvez ainda não esteja totalmente sob controle. Mas caiu o suficiente, sem qualquer aumento do desemprego, para deixar claro que tais previsões eram excessivamente pessimistas. Então, por que as pessoas acreditaram nelas?

Nem todos no Time Estagflação usaram a mesma abordagem. Mas grande parte do pessimismo, senão todo, repousava na suposição de que a inflação de 2021-22 era exatamente igual à da década de 1970, que na verdade só foi contida por meio de um longo período de desemprego muito alto.

O negócio é que sempre houve boas razões para se acreditar que essa analogia era ruim. Economistas que quase acertaram, como Joseph Gagnon, do Instituto Peterson, argumentaram desde o início que a Guerra da Coreia –que produziu um pico agudo, mas curto, de inflação– era um modelo melhor do que os anos 1970 para o que estava acontecendo. Eu e outros apontamos que a desinflação foi difícil na década de 1980 principalmente porque as expectativas de uma inflação persistente haviam se firmado, o que claramente não acontecera desta vez.

Por que, então, os economistas fizeram previsões calamitosas tão confiantes e por que tantos outros –especialmente na mídia noticiosa– as aceitaram? Não estamos falando de desonestidade intelectual: os pessimistas da inflação foram admiravelmente claros sobre seus dados e suposições. Mas havia e há uma mentalidade –possivelmente afetando os próprios economistas, definitivamente afetando grande parte de seu público– que está sempre pronta para ver qualquer revés econômico como uma repetição daquele show dos anos 1970, que sempre vê a estagflação à espreita.

Essa mentalidade não é explicitamente política; não estou falando dos sujeitos da Fundação Heritage que passaram grande parte do ano passado proclamando uma recessão Biden e nunca, jamais, pedirão desculpas.

Mas, penso eu, ela reflete o desejo de ver a economia como um auto de moralidade, no qual as tentativas dos formuladores de políticas de melhorar as coisas são severamente punidas (ao passo que fazer muito pouco não é). O pacote de gastos inicial do governo Biden foi maior do que deveria; o Federal Reserve demorou a perceber o quanto a inflação estava crescendo. Certamente tais pecados devem atrair uma terrível retribuição dos deuses da macroeconomia!

Mas eles não o fizeram. Então os profetas da inflação calamitosa reconhecerão que erraram? Mais importante, os formuladores de políticas, especialmente no Fed, que subestimaram os riscos de inflação em 2021, serão flexíveis o suficiente para aceitar que compensaram demais em 2022? Porque, se não o fizerem, a resposta política à estagflação imaginária ainda poderá produzir uma recessão desnecessária.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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