Para todos os que discutem furiosamente a situação da democracia americana, as eleições de meio mandato de 2022 foram uma coisa linda –um presente para os dois lados da discussão, um teste de Rorschach que serve a ambas as interpretações.
Suponha, primeiro, que você esteja entre os alarmistas da democracia em perigo, para quem o trumpismo e o republicanismo do Maga ("Make America Great Again", faça os EUA grandes novamente) representam não apenas um populismo caótico, mas uma ameaça existencial. O que você viu acontecer?
Bem, você viu um presidente atacado, Joe Biden, decidir que a defesa da própria democracia seria seu principal tema eleitoral. Por isso, ele foi desprezado por várias direções –por ignorar problemas do dia a dia, confundir posições conservadoras normais com autoritarismo, não oferecer o tipo de bipartidarismo radical que seu diagnóstico implicaria.
No entanto, afinal pareceu funcionar: os eleitores que normalmente se inclinariam a votar em candidatos do Partido Republicano tenderam a rejeitar exatamente o tipo de "republicanos Maga" –endossados por e imitadores de Donald Trump de aspecto mais paranoico– que o argumento de Biden tentou isolar.
A onda vermelha prevista pelos fundamentos e pela história decepcionou, em parte, porque os americanos julgaram um subconjunto de candidatos republicanos extremistas demais para lhes confiar poderes democráticos normais. O público fez o trabalho de "destrumpificação" que os próprios republicanos da era Trump falharam em fazer –e o fizeram, pode-se argumentar, exatamente por causa dos alarmes levantados em nome da democracia.
Assim, a feliz conclusão para o campo alarmista: a democracia estava em perigo e, pelo menos neste ciclo, nós a salvamos.
Mas então imagine-se um não alarmista, olhando para os mesmos resultados. Nos últimos anos, você ouviu os alarmistas argumentarem que o problema não são apenas Trump ou seus discípulos –que todo o Partido Republicano foi refeito como uma formação autoritária, que suas regras eleitorais preferidas são a nova versão de Jim Crow, que as estruturas do governo americano estão permitindo o governo permanente da minoria por uma direita identitária branca, que os EUA estão à beira de uma guerra civil, que o 6 de Janeiro ainda não terminou e que a direita não aceitará nenhum resultado que não lhe agrade.
No entanto, o que você viu acontecer? A maioria dos candidatos republicanos perdeu e admitiu isso normalmente, incluindo os candidatos Maga. A Geórgia, supostamente o marco zero do novo Jim Crow (leis racistas), apresentou comparecimento normal e outro desempenho forte de seu senador democrata afro-americano.
As estruturas do governo americano entregaram aos republicanos menos poder em Washington do que seus números brutos de votos implicariam, com um Senado democrata e a maioria mínima da Câmara para os republicanos, apesar de sua aparente maioria sólida no voto popular.
Uma migração contínua de eleitores de minorias para o Partido Republicano, sugerindo que o país está realmente ficando menos polarizado por cor da pele. E uma notável ausência do tipo de violência que os arautos da nova guerra civil continuam esperando.
Entre essas duas interpretações de 2022 –os alarmistas comemorando uma vitória dura para a democracia e os não alarmistas vendo um previsível retorno à normalidade–, é possível alguma síntese ou aperto de mãos?
Deixe-me propor duas concessões possíveis, uma de cada direção. Em primeiro lugar, os alarmistas poderiam admitir que a sem-vergonhice única de Trump, aliada às circunstâncias estranhas de 2020 –a pandemia, uma onda de tumultos e protestos, uma reformulação rápida dos procedimentos eleitorais–, foram provavelmente mais determinantes para a paranoia republicana de fraude e sua consumação em 6 de Janeiro do que uma virada ideológica deliberada para o autoritarismo ou o semifascismo.
Em outras palavras, os resultados de 2022 não viciam a ideia original alarmista de que Trump é uma figura perigosa a quem não se deve confiar a Presidência. Mas eles questionam o alarmismo sistêmico, a crença de que todo o Partido Republicano está se afastando da política democrática normal e que a ascensão de Trump foi apenas um gatilho desse processo.
Da mesma forma, o não alarmista pode admitir que esse alarmismo do "fascismo em marcha", por mais exagerado que pareça, pode ser uma das forças que tendem a estabilizar um sistema democrático, mobilizando e equilibrando contra os excessos e as paranoias do outro lado.
Que a hipérbole antes das eleições de meio de mandato –pense no historiador da TV Michael Beschloss imaginando uma ditadura de direita prendendo e executando crianças– pode ter sido uma das razões pelas quais tantos candidatos do "Parem o Roubo" foram eliminados na disputa.
E que tal alarmismo sem dúvida sempre desempenhou uma versão desse papel equilibrador e estabilizador, desde os primeiros dias da República, quando as diversas facções trocavam de forma confiável acusações de monarquismo e jacobinismo.
Esta última imagem, de extremismos e ansiedades sobre o extremismo se equilibrando, também sugere uma maneira esperançosa para os alarmistas e não alarmistas da era Trump pensarem sobre nosso relacionamento uns com os outros: não apenas como intérpretes rivais dos descontentamentos de nossa democracia, mas como parceiros, de uma forma estranha, em sua estabilidade continuada.
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