Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Paul Krugman
Descrição de chapéu The New York Times

'Teoria da substituição' atrai apoio significativo do Partido Republicano

Acusado de matar dez pessoas a tiros em Buffalo é devoto da teoria racista

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

The New York Times

Nunca pensei que eu diria isto, mas sinto saudade da economia vodu.

Foi chocante na época, quando uma doutrina econômica excêntrica –a afirmação de que os cortes de impostos se amortizam– tornou-se com efeito a linha oficial do Partido Republicano. Foi uma decepção ver que o domínio da doutrina sobre o partido ficava cada vez mais arraigado, mesmo quando as evidências de sua falsidade continuaram se acumulando: o boom econômico de Clinton, o desempenho econômico medíocre de Bush mesmo antes da crise financeira de 2008, o desastroso corte de impostos no Kansas, o fracasso dos cortes de impostos de Trump em gerar um boom de investimentos.

Policiais vão até supermercado em Buffalo após ataque a tiros - Jeffrey T. Barnes - 14.mai.2022/Reuters

E a economia vodu continua causando danos reais até hoje. Os republicanos que controlam o Mississippi, um estado pobre, com programas educacionais terrivelmente subfinanciados e que está fechando hospitais, recentemente decidiram impulsionar a economia do estado… cortando impostos.

Até onde sei, porém, arengas sobre os malefícios das altas taxas marginais de impostos não inspiraram nenhum ato de terrorismo doméstico.

Como tem sido amplamente divulgado, o acusado de matar dez pessoas a tiros em Buffalo é um devoto da "teoria da substituição", que afirma que elites sinistras –especialmente os judeus, é claro– estão deliberadamente trazendo imigrantes para deslocar e enfraquecer os americanos brancos. Assim como eram os homens acusados de massacres numa sinagoga de Pittsburgh em 2018 e num supermercado de El Paso em 2019.

A teoria da substituição costumava ser uma doutrina marginal, mas hoje em dia, de forma mal disfarçada, está atraindo um apoio significativo da corrente dominante do Partido Republicano.

Como o Times documentou, o programa de Tucker Carlson na Fox News amplificou a doutrina mais de 400 vezes. E, a menos que você descarte Carlson como uma mera figura da mídia, lembre-se do discurso de David Frum: "Os republicanos originalmente pensavam que a Fox trabalhava para nós. Então descobrimos que nós trabalhamos para a Fox".

De qualquer forma, um número crescente de políticos proeminentes do Partido Republicano também defende versões mal veladas da teoria da substituição. Elise Stefanik, a terceira republicana na Câmara de Deputados, publicou anúncios no Facebook afirmando que os democratas querem conceder anistia aos imigrantes ilegais para "derrubar nosso eleitorado atual". J.D. Vance, candidato republicano ao Senado por Ohio, alega que "a fronteira aberta de Biden" está trazendo "mais eleitores democratas que inundam este país".

Por que o estilo paranoico está dominando o Partido Republicano? Os fatos têm pouco a ver com isso. Alguns dos políticos mais anti-imigração vêm de lugares com quase nenhum imigrante: menos de 5% dos moradores de Ohio e menos de 4% dos do distrito de Stefanik, em Nova York, são estrangeiros. Na cidade de Nova York, a porcentagem é quase 38%.

Também não parece haver uma onda popular promovendo essa mudança política. Sim, um grande número de americanos é anti-imigrante, racialmente hostil, ou ambos. Mas isso sempre foi verdade. A opinião pública parece, no mínimo, ser mais favorável à imigração do que no passado; indicadores de tolerância racial, como a aprovação do casamento inter-racial, estão em níveis historicamente altos.

O que mudou, porém, foi o comportamento das elites republicanas, que costumavam renegar as teorias da conspiração, mas hoje as abraçam com entusiasmo quando parece politicamente conveniente.

É aqui, eu diria, que entra a economia vodu –não como uma ideia, mas como um determinante do tipo de pessoas que se tornaram políticos republicanos.

A ascensão da economia pelo lado da oferta coincidiu com a ascensão do conservadorismo do movimento –uma rede interligada de autoridades eleitas, organizações de mídia, grupos de pensadores e firmas de lobby. Como a ideologia central do movimento envolvia reduzir os impostos dos ricos, ele foi generosamente apoiado por bilionários e interesses corporativos, e isso, por sua vez, significava que oferecia segurança no emprego a qualquer um que permanecesse suficientemente leal.

Quem foi atraído por esse movimento? Muitos eram carreiristas: pessoas felizes em servir como "apparatchiks", seguindo qualquer que fosse a linha do partido no momento. Eles podem ter-se inscrito para promover impostos baixos e uma rede de segurança mais fraca, mas a maior parte do partido imediatamente entrou no MAGA (abreviatura em inglês de "Faça a América Grande de Novo") quando os ventos mudaram.

Stefanik é um exemplo perfeito: um protegido de Paul Ryan que girou rapidamente para o trumpismo total, inclusive com falsas denúncias de fraude eleitoral, e agora para a promoção da grande teoria da substituição.

Alguém como Vance, que não é um agente político profissional, é na verdade a exceção que confirma a regra. Sua característica definidora é oportunismo: um denunciante de Trump transformado em acólito escravo, um autoproclamado defensor dos pobres rurais que se opõe a qualquer programa que possa ajudá-los. E sua própria falta de um centro ético é provavelmente o motivo pelo qual Donald Trump o endossou.

Então, quando digo que sinto falta da economia vodu, o que realmente quero dizer é que sinto falta da ilusão –que compartilhei– de que o impacto de sua ascensão se limitaria principalmente à política de impostos e gastos. O que sabemos hoje é que a adoção da economia excêntrica pressagiava o colapso moral geral do establishment republicano.

Esse colapso abriu as portas à paranoia e a teóricos da conspiração de todos os tipos –e as consequências foram mortais. Existe, eu diria, uma linha direta da curva de Laffer até 6 de janeiro e até Buffalo.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.