Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Como evitar uma 'Recessão Putin'

Federal Reserve deve manter a calma e seguir em frente

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Kevin McCarthy, líder da minoria republicana na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, disse algo cínico e evidentemente desonesto outro dia. Para ser justo, esse comentário é quase sempre válido; você poderia dizer a mesma coisa sobre ele praticamente todas as semanas nos últimos anos. Mas esta declaração em particular pareceu importante porque envolveu uma mentira que tem um peso direto sobre como os EUA vão reagir à invasão da Ucrânia pela Rússia.

Eis o que McCarthy tuitou: "Esses não são os preços da gasolina de Putin. São os preços da gasolina do presidente Biden".

Bom, isso é simplesmente mentira. Você pode discutir quanta responsabilidade as políticas de Biden têm pela inflação em outras partes da economia, mas o aumento do preço da gasolina reflete o preço em ascensão do petróleo, que não foi afetado significativamente por nada que Biden fez. E o disparo fez os preços nas bombas subirem em países do mundo todo, na verdade aproximadamente na mesma proporção. Isto é, esses realmente são os preços da gasolina de Putin.

Prédio do Federal Reserve em Washington, nos Estados Unidos - Chris Wattie - 22.ago.2018/Reuters

Por que isso importa? Fora a tentativa canhestra de McCarthy de culpar Biden por algo que realmente, verdadeiramente, não é culpa dele, há uma importante questão econômica aqui.

Goste ou não, o mundo está enfrentando um choque Putin: um surto nos preços do petróleo e outras commodities em consequência tanto da agressão russa como da retaliação do Ocidente com sanções econômicas. Mas o choque Putin levará a uma recessão (fora da própria Rússia, que provavelmente está enfrentando uma quase depressão)?

A resposta é que isso não é obrigatório; podemos evitar uma "Recessão Putin". Se o faremos dependerá de nossa resposta política. E para acertar nessa resposta precisamos ter a mente clara sobre a natureza do problema.

Esta não é a primeira vez que enfrentamos um aumento dos preços do petróleo conduzido por fatos externos aos EUA. Os exemplos famosos são os aumentos depois da guerra do Yom Kippur em 1973 e da revolução iraniana em 1979, mas há outros grandes exemplos, como o aumento de preços de 2010-2011, quando a economia mundial se recuperava da crise financeira de 2008. Essa alta, aliás, aumentou os preços da gasolina muito acentuadamente; em relação aos salários dos trabalhadores médios, chegaram a um pico equivalente a mais de US$ 5 por galão hoje [cerca de R$ 6,80 por litro].

As consequências econômicas mais amplas desses antigos choques, entretanto, variavam consideravelmente. Os choques do petróleo dos anos 1970 foram seguidos por severas recessões nos EUA; o choque de 2010-11 não atrapalhou em nada a recuperação econômica em curso. O que foi diferente?

Lá em 1997, Ben Bernanke, Mark Gertler e Mark Watson publicaram uma análise clássica dos efeitos do aumento dos preços do petróleo sobre a economia americana. Eles concluíram que as recessões que geralmente acompanham os choques de petróleo refletiam principalmente "a reação endógena de política monetária". Quer dizer (mais ou menos) que as recessões aconteciam não porque os preços do petróleo subiram, mas porque o Fed, temendo uma espiral de salários e preços, reagiu ao aumento dos preços do petróleo elevando acentuadamente as taxas de juros.

E isso foi exatamente o que não aconteceu em 2010-2011. Apesar da intensa pressão dos republicanos que advertiram que o dólar estava sendo degradado, Bernanke —então presidente do Fed— e seus colegas mantiveram o rumo, conservando os juros baixos. E a recusa do Fed em aumentar os juros foi justificada pelos acontecimentos: os preços da gasolina se nivelaram, a inflação não decolou e a economia continuou crescendo.

O que essa experiência nos diz sobre a situação atual? Se a inflação nos EUA estivesse baixa, a política certa seria óbvia: não aumentar as taxas de juros. Infelizmente, entramos no choque Putin com a inflação desconfortavelmente alta. E embora eu seja geralmente positivo sobre essas questões, acredito que o Fed deveria estar tirando o pé do acelerador. Isto é, deveria estar aumentando gradativamente as taxas de juros para esfriar uma economia que parece um pouco superaquecida.

O que o Fed não deveria fazer, porém, é permitir provocações para que pise nos freios, aumentando drasticamente os juros como fez nos anos 1970.

O aumento dos preços do petróleo levará a grandes números de inflação nos próximos meses, e haverá muita pressão sobre o Fed para reagir com firmeza. Parte dessa pressão virá de pessoas como McCarthy, que insiste, contrariando os fatos, que os altos preços da gasolina estão sendo causados por opções políticas domésticas. Parte disso virá dos eternos falcões, em cujas mentes sempre estamos prestes a ver um reinício daquele show dos anos 70.

Mas 2022 não é 1979. A inflação atual está alta, assim como as expectativas de inflação para o próximo ano, mas as expectativas em médio prazo não subiram tanto e não estão nem perto de seus níveis por volta de 1980. Isso sugere que a inflação não está se embutindo na economia. Se a economia esfriar um pouco e o choque inflacionário dos preços do petróleo for, como eu espero que seja, um assunto isolado, ficaremos bem se o Fed apenas mantiver a calma e seguir em frente.

Posso estar errado? É claro. Mas considere os custos de estar errado na direção oposta e pisar nos freios desnecessariamente. Neste momento, parece que uma política firme pode impedir que o choque Putin se transforme numa Recessão Putin. E esse é o resultado que queremos alcançar, se possível.

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