Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman
Descrição de chapéu mercado de trabalho

Não, o 'socialismo' não está tornando os americanos preguiçosos

Tudo o que precisávamos era de uma política que desse uma chance ao trabalho

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Bernie Marcus, cofundador da Home Depot (grande loja de construção e decoração), teve algumas coisas negativas a dizer sobre seus compatriotas americanos em uma entrevista em dezembro passado.

"O socialismo" destruiu a ética do trabalho, ele declarou. "Ninguém trabalha. Ninguém dá a mínima. 'Apenas dê para mim. Envie-me dinheiro. Não quero trabalhar — sou muito preguiçoso, sou muito gordo, sou muito burro'".

Mulher passa por porta com aviso de contratação em loja na cidade de Boston, nos Estados Unidos. - Reuters/Brian Snyder

Você é ingênuo se acha que a opinião dele é excepcional. Sem dúvida, homens ricos estão constantemente dizendo coisas semelhantes em clubes de campo em todos os Estados Unidos. Mais importante, os políticos conservadores são obcecados pela ideia de que a ajuda do governo está deixando os americanos preguiçosos, e é por isso que eles continuam tentando impor a exigência de trabalho para programas como Medicaid e vale-refeição, apesar da evidência esmagadora de que tais requisitos não promovem o trabalho, e sim criam barreiras burocráticas que negam ajuda aos que realmente precisam.

Não tenho a ilusão de que os fatos mudarão a opinião dessas pessoas. Mas todos os outros devem saber que, no ano passado, realizamos um grande teste da proposição de que os americanos se tornaram preguiçosos. E acontece que não.

Diante das oportunidades criadas por uma economia de pleno emprego — sem dúvida, a primeira economia de pleno emprego que tivemos em quase um quarto de século —, os americanos estão, de fato, dispostos a trabalhar. Na verdade, eles estão mais dispostos a trabalhar do que quase todo mundo imaginava, até mesmo os otimistas. E a robustez da ética de trabalho americana tem enormes implicações para as políticas.

Antes de entrar nos números, um lembrete sobre números. Os EUA têm uma população que envelhece, o que significa que, tudo o mais sendo igual, deveríamos estar vendo uma tendência de queda na parcela de adultos que ainda trabalham. De fato, a taxa geral de participação na força de trabalho — a porcentagem de adultos trabalhando ou procurando ativamente trabalho — é um pouco menor agora do que na véspera da pandemia de Covid-19.

Mas esse declínio era previsível e previsto, por exemplo, em projeções pré-pandêmicas do Escritório de Orçamento do Congresso. E a participação atual da força de trabalho é na verdade maior do que o órgão esperava — o que é realmente notável, visto que a Covid levou alguns trabalhadores à aposentadoria precoce, enquanto a Covid prolongada pode ter deixado um número significativo de trabalhadores com deficiências persistentes.

Uma maneira de olhar para além das mudanças demográficas é focar na participação na força de trabalho dos americanos em seus primeiros anos de trabalho, que é maior hoje do que 20 anos atrás. Bobby Kogan, do Centro para o Progresso Americano, relata que, se você ajustar pela idade e o sexo, o emprego geral nos EUA está agora em seu nível mais alto da história — novamente, apesar dos efeitos prolongados da pandemia.

Portanto, chega de alegações de que o grande governo tornou os americanos preguiçosos, ou mesmo falar de uma "grande autodemissão". Os americanos estão trabalhando mais que nunca.

De onde vêm esses trabalhadores adicionais? Uma resposta é que, em um mercado de trabalho restrito, os empregadores estão mais dispostos a aceitar grupos marginalizados, muitos dos quais se revelam perfeitamente capazes de empregos produtivos. Vimos, por exemplo, um aumento impressionante no emprego entre os americanos com deficiência.

Também vimos um aumento no número de trabalhadores nascidos no exterior. O que quer que pessoas como Ron DeSantis possam pensar, os imigrantes são uma grande vantagem para a economia dos EUA: eles tendem a estar em idade ativa e altamente motivados. De fato, as políticas anti-imigração de DeSantis já estão tendo um efeito adverso visível na economia da Flórida.

Então, o que nos diz o extraordinário sucesso dos Estados Unidos em trazer a população de volta ao trabalho, além do fato de que não nos tornamos preguiçosos? Uma coisa que ele nos diz é que a lenta recuperação que se seguiu à crise financeira de 2008 — lenta em grande parte porque as Pessoas Muito Sérias estavam obcecadas por dívidas em vez de empregos — negou emprego a milhões de americanos que poderiam e deveriam estar trabalhando.

E os recentes ganhos no emprego também fazem a "bidenomia" parecer muito melhor do que um ano atrás.

O presidente Joe Biden começou seu mandato com um grande pacote de gastos que, segundo muitos, causou o superaquecimento da economia, alimentando a inflação. Provavelmente há uma verdade considerável nessa afirmação. Mas também houve alegações de que para se livrar do excesso de inflação seriam necessários anos de alto desemprego. Acontece que, afinal, a inflação — incluindo medidas que tentam eliminar fatores temporários — tem diminuído, apesar do alto nível de emprego. Portanto, tais afirmações parecem cada vez menos convincentes.

Embora a economia aquecida possa ter aumentado temporariamente a inflação, também colocou os americanos para trabalhar — não apenas aqueles que perderam empregos durante a pandemia e suas repercussões, mas também alguns que antes não conseguiam colocação. Também produziu ganhos especialmente altos para os trabalhadores de baixa remuneração. Se conseguirmos evitar uma recessão severa, muitos desses ganhos de emprego provavelmente persistirão.

O ponto mais importante é que, não importa o que os homens ricos mal-humorados possam dizer, os americanos não se tornaram preguiçosos. Pelo contrário, estão dispostos, e até ansiosos, a aceitar empregos, se estiverem disponíveis. E embora a política econômica dos últimos anos esteja longe de perfeita, uma coisa que ela fez — para grande benefício da nação — foi dar uma chance ao trabalho.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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