São Francisco será maior cidade americana a banir venda de peles. Gucci deixa de vender artigos de pele. Noruega bane fazendas de peles. Três anos após uma onda de visons, raposas e coelhos tomarem as passarelas de grifes luxuosas, o couro de animal selvagem parece sair paulatinamente do radar da moda. Mas só parece.
Se no Ocidente o cerco à criação de peles aumenta ano após ano, fator potencializado pela proibição de fazendas em países como República Checa e Croácia, no Oriente o setor não dá sinais de estagnação. De acordo com a Federação Internacional de Peles, a China, por exemplo, nunca faturou tanto com os animais.
Dados atualizados dão conta de que, em 2017, os 50 milhões de animais abatidos no país movimentaram quase R$ 57 bilhões. O número prova o movimento migratório da indústria peleteira, que no ano passado só faturou R$ 16 bilhões nas tradicionais indústrias russa e americana.
Trocando em miúdos, a pressão das novas leis de proteção animal e os consumidores conscientes —jovens que a imprensa de moda chama de “millennials”– não atingiram o mercado de peles em cheio como era esperado.
No caso de São Francisco, que começará a aplicar a lei antipele até o próximo ano, alguns dos donos dos 50 estabelecimentos atingidos pela legislação disseram à imprensa local que devem trocar os endereços de seus negócios, cujo faturamento chega a R$ 150 milhões por ano, para cidades próximas.
Na ponta dessa cadeia, grifes como as italianas Marni, Valentino e Fendi, três potências do alto luxo, ainda lucram nadando na direção oposta de pares como Versace e Tom Ford, que anunciaram a extinção das peles em suas vitrines –ao que parece, mais por uma questão de vendas limitadas e oferta de peles escassa do que por bom-mocismo.
Cabe, nesse ponto, uma ressalva cujas entrelinhas afetam diretamente o discurso sustentável e empático à causa animal. Nenhuma grife ou cidade que alardeou o fim do comércio dos bichos tocou no assunto “couro” ou nas soluções encontradas para substituir os casacos de pele verdadeira.
Ainda que seja um avanço proibir a matança indiscriminada dos bichos, muitos deles escalpelados ainda vivos para proteger a integridade da carcaça, também é preciso repensar a lógica da oferta em países emergentes, onde a procura por esses artigos fez disparar o número de criadouros clandestinos em países pobres.
Também parece urgente redefinir o comércio das peles de bezerro, a mais usada pela moda, vaca e boi. Pouco se fala sobre o assunto, mas há uma lacuna ignorada pelos ativistas que gritam em favor do meio ambiente e da vida mas preferem esquecer o gado criado preso para que sua pele não enrosque nas cercas de arame farpado ou o filhote tirado da mãe para satisfazer o desejo por uma bolsa molinha e macia.
A resposta padrão de que a carne de gado é consumida e, por isso, não haveria problema em usar a pele na moda, só revela o tamanho do problema. Coelhos, cobras, jacarés, cachorros, gatos e um sem fim de animais, tanto selvagens quanto domesticados, são comuns na gastronomia asiática, região de onde parte a maioria das peles do mercado. Seguindo a lógica da alimentação, qual seria o problema de aproveitar essas peles na moda?
Somam-se ao problema as opções disponíveis para substituir a pele verdadeira, as quais esbarram em questões ambientais. Da estilista mais sustentável, Stella McCartney, à fast-fashion mais escrutinada, a Zara, a maioria usa plástico impregnado nos pêlos das coleções “fur free”, expressão da moda para definir roupa “livre de pele animal”.
A ideia de reciclar garrafas ou reaproveitar materiais sintéticos já acabados, fórmula testada por grifes de nicho, não supre a demanda do mercado velos de vestuário e só faz aumentar a produção de matéria-prima artificial nociva ao planeta. No fim das contas, troca-se seis por meia dúzia.
Não se trata de defender a indústria peleteira, mas sim uma regulação ampla do segmento em esfera mundial. Mais eficaz do que apenas proibir –a história da moda nos conta que a escassez de um artigo define o desejo das pessoas em possuí-lo– seria formular leis internacionais para restringir a criação de um animal para fins estéticos nos locais onde ele vira alimento e, também, sobretaxar sua pele para que o uso seja limitado.
É ainda mais urgente promover o consumo responsável de matérias-primas animal e sintética, privilegiando em campanhas publicitárias e desfiles as naturais, como as fibras de linho e algodão.
As leis da moda são claras: enquanto houver oferta infinita, a demanda e a propaganda serão infinitas. Se é fácil encontrar em um lado do mundo uma moda forrada de chinchila, zibelina, raposa ou bezerro, só para citar os maiores mercados e alguns dos bichos amados pela indústria do sangue, o abastecimento da outra metade estará garantido.
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