Pedro Diniz

Jornalista com formação em comunicação audiovisual pela Universidade de Salamanca (Espanha).

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Pedro Diniz

Trabalho escravo põe em xeque veracidade do luxo no Brasil e no mundo

Novos casos mostram que produção pulverizada e falta de fiscalização atingem toda a cadeia de moda

Marcas esportivas, grifes de “jeanswear” e redes de lojas populares sempre foram os pivôs dos escândalos de trabalho análogo à escravidão na moda. Não mais. Este ano mostrou que a indústria do luxo, vinculada à produção limitada, de qualidade e de preços altos, não consegue garantir que sua costura não seja alinhavada por trabalhadores explorados.

Uma reportagem publicada pelo jornal “The New York Times”, em setembro, revelou as condições degradantes e os baixos valores recebidos pelos artesãos de Puglia, na Itália, para a confecção de vestidos, casacos e sapatos luxuosos que nas vitrines recebem o selo de excelência Made In Italy.

Outra matéria, do site The Intercept Brasil, destrinchou uma ação do Ministério Público do Trabalho para resgatar trabalhadores ilegais mantidos em confecções paulistanas que produziam roupas da marca Amissima, etiqueta que apesar de ter nascido na região de moda popular do Bom Retiro, desde o ano passado vem se posicionando como uma grife de luxo.

Duas questões vieram à superfície a partir desses casos. Primeiramente, o método de produção pulverizada, essa que faz uma mesma peça ser confeccionada em diferentes lugares como forma de garantir eficiência e agilidade na entrega, exige uma fiscalização contínua que as marcas não estão conseguindo, ou não querem, fazer. 

No caso italiano, mulheres chegam a ganhar um euro, ou R$ 4,33, para cortar um metro de casaco. Muitas delas trabalham de casa quase 17 horas por dia para produzir um único vestido e só recebem após a peça ser entregue. Marcas como Tod’s e Max Mara, que compram peças da região, negaram envolvimento com os trabalhadores e disseram não ter conhecimento sobre a situação.

Mesma resposta deu a Amissima, que enquanto fazia eventos chiques na semana de moda de Paris e abria lojas em shoppings de luxo, tinha suas roupas produzidas em prédios detonados por imigrantes e famílias mantidas em cubículos sem segurança alguma. 

As confecções repassavam cerca de R$ 3 por peça produzida nas 12 horas de trabalho diárias. Multada em R$ 533 mil, a grife reconheceu em comunicado a falha da fiscalização frouxa.

É relevante analisar que a demanda por um número cada vez maior de lançamentos (coleções “resort”, “pre-fall”, prêt-à-porter, alta-costura etc.) não condiz com a lógica do luxo de ser exclusivo e denotar esmero na execução.

O cenário de competição acirrada abriu espaço para a descentralização dos processos e, com isso, vieram a reboque contratos com terceirizados que subcontratam empresas e autônomos.

Essa realidade põe em xeque a veracidade do valor agregado ao produto de luxo, porque é comum ouvir de consumidores que, hoje, a escolha por uma marca está ligada também à ideia de que suas peças foram produzidas em condições humanas.

No momento em que a criação de núcleos de sustentabilidade e ações sociais são as grandes notícias propagadas pelo mercado de luxo, a manutenção de uma cadeia de suprimentos deficiente só contribui para validar a tese cética de que tudo é mesmo uma grande mentira.

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