Por Dú Pente
Deve ser compromisso coletivo da sociedade dar oportunidade e reconhecer jovens negros como agentes políticos e sujeitos de direitos. Por seus ativismos, eles fortalecem o processo de ressignificação e de ruptura com estereótipos negativos —e demonstram que são protagonistas das transformações nos territórios e das dinâmicas sociais nas estruturas do continente latino-americano.
O investimento em processos para o compartilhamento de ferramentas cívicas com lideranças jovens negras nos territórios periféricos das cidades amplia as perspectivas de resiliência democrática e de futuro. A possibilidade de avanço na superação autônoma das violências a partir do protagonismo desses sujeitos políticos provoca o fortalecimento das próprias democracias, que estão morrendo a partir da captura das instituições por cleptocratas, sem compromisso com o bem viver, que usam a violência política como ferramenta institucional.
O projeto Juventude Negra Política - Jovens Negros Pensando o Futuro, fruto de uma construção coletiva entre ativistas de Belo Horizonte no ano de 2019, proporcionou um ambiente de formação e emancipação política para um grupo de jovens negros e negras que exercem pungente liderança nas quebradas.
Critérios como origem em diferentes territórios, gênero, orientação sexual e autonomia perante as bolhas acadêmicas e partidárias direcionaram a escolha destas e destes jovens. Todo o processo se deu ao longo de cinco meses, a partir de uma imersão realizada em um dos maiores territórios fora da região central de Belo Horizonte, a região do Barreiro.
O conteúdo programático das oficinas perpassou autoconhecimento, liderança, política na prática e comunicação, acrescidos de exercícios coletivos de projeção de futuro. Elas foram desenvolvidas pelo time de ativistas e profissionais com distintas trajetórias e qualificações. Todos os ativistas eram negros.
Além do reconhecimento dos jovens enquanto lideranças políticas, houve articulação interterritorial entre as/os potentes agentes, a elaboração de um minidocumentário de mesmo nome do projeto (disponível no YouTube) e o fortalecimento da narrativa positiva a respeito da juventude negra, qualificando-a enquanto política. Ao final do processo, uma ação de mobilização social coletiva intitulada Margem Negra foi executada para o lançamento do documentário.
A possibilidade de jovens ativistas ocuparem a política institucional, disputando cargos eletivos no legislativo brasileiro, passou a ser um caminho possível a partir da ruptura com formas organizacionais limitantes, ortodoxas e verticais impostas pelos partidos.
A movimentação Muitas em Minas Gerais e a experiência coletiva da Bancada Ativista no estado de São Paulo, que nos anos de 2016 e 2018 elegeram parlamentares que desenvolvem mandatos coletivos, inovadores e comprometidos com agendas progressistas, são exemplos. Outras experiências são as Juntas, que conquistaram uma mandata composta por cinco mulheres, atuando enquanto co-deputadas na Assembleia do Estado de Pernambuco, e a Mandata Quilombo de Érica Malunguinho, primeira deputada estadual transsexual negra na Alesp, sendo a última composta por uma equipe de assessoria parlamentar totalmente negra, subvertendo o padrão estabelecido nos espaços de tomada de decisão e representação.
É necessário fortalecer as potências representativas juvenis, sobretudo as negras, para que saibam lidar com os diferentes entraves que colocam a política institucional distante de lideranças que exercem papéis de representação social relevantes em seus contextos. A participação política passa também pelo reconhecimento dos sujeitos e pela percepção das dinâmicas de poder que os atingem e sobre o excludente sistema político brasileiro.
Os resultados das empreitadas ativistas pela ocupação da política incidem diretamente sobre a sub-representação dos grupos politicamente minorizados nas casas legislativas e apresentam uma real possibilidade de alternância de poder. Hackear a política institucional, ocupar o poder e compartilhá-lo é um princípio para a redução das estratosféricas desigualdades de representação e participação nos espaços institucionais.
Conectados a essas possibilidades, processos como a imersão da juventude negra política expressam uma fecunda capacidade de produzir e estimular a autonomia a partir do compartilhamento de ferramentas e tecnologias sociais, que por muitas vezes permanecem estagnadas ou concentradas em grupos historicamente privilegiados.
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