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É tudo pra ontem: Emily, Rebecca e o futuro que o Estado não garantiu a elas

Excluídas dos sonhos, meninas entram para as estatísticas de crianças assassinadas

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Por Jefferson Barbosa, Thuane Nascimento (Thux) e Wesley Texeira

Sexta-feira, dia 4 de dezembro, parecia um dia interessante para nós —os três integrantes do PerifaConnection que moramos em Caxias: estávamos nos reunindo para pensar perspectivas de futuro para a juventude na nossa cidade. Logo depois saberíamos do assassinato de Rebecca e Emily, duas meninas de 7 e 4 anos, mortas durante um patrulhamento da polícia na nossa cidade. Ambas foram brutalmente excluídas dos nossos sonhos para a cidade e entraram para estatística das 12 crianças que foram mortas por bala perdida no Rio de Janeiro. Através do Movimenta Caxias, nós estamos acompanhando a família na busca por justiça. E esse acontecimento nos atravessou não só coletivamente, mas também individualmente.

No meu caso, eu Jefferson, moro Pantanal, onde aconteceu a tragédia envolvendo as meninas. Justamente por ser um bairro com pouca estrutura e não ser tão conhecido, as possibilidades de esse caso não ter nenhuma visibilidade eram imensas. Porém a gente não deixou que isso acontecesse: acompanhamos a família desde então, buscando autoridades e repercussão. Por justiça. Um bairro sem saneamento básico, sem aparelhos de cultura, e com algumas áreas de uma pobreza extrema. Queremos justiça pra Emily e Rebecca, porque um país onde duas crianças não podem brincar no portão de casa por morarem em uma favela é um país que declarou guerra contra a infância.

Emily, 4, e Rebeca, 7, eram primas e foram mortas em Duque de Caxias (RJ)
Emily, 4, e Rebecca, 7, eram primas e foram mortas em Duque de Caxias (RJ) - Reprodução TV Globo

Eu, Thuane, antes dessa nossa reunião na sexta, estava com cerca de 50 crianças no projeto que coordeno onde moro, na Vila Operária. Várias delas com a idade entre 4 e 9 anos, a maioria negra e todas moradoras de favela, como Emily e Rebecca. Todas com sonhos, como Emily e Rebecca. A mãe da Emily compartilhou conosco que a menina nunca tinha tido uma festa de aniversário e que, neste ano, a família iria realizar o desejo da pequena. Pediu o mesmo tema que a prima Rebeca, e a família guardou a decoração para o dia 23 de dezembro. Como fazia aniversário próximo ao Natal, a comemoração ficava pro dia 25. Mas neste ano, não; neste ano Emily ia se vestir de Moana, a princesa da Disney que mais fez sucesso entre as meninas negras desde que estreou —justamente por ser uma personagem não branca, diferentemente das princesas que eu tive como opção para temática dos meus aniversários. A luta do movimento negro pela diversidade e representatividade na mídia e na produção cinematográfica tem resultado em algumas conquistas, como o filme "Pantera Negra". Um dos meninos do meu projeto me contou que desejava uma festa do personagem. Ao ouvir a família de Emily relatar essa memória, me tremi por dentro lembrando desse outro desejo infantil. Nossa conquista para as crianças negras foi interrompida para Emily, que foi enterrada com a fantasia de Moana que usaria na sua primeira festa de aniversário. Queremos justiça para Emily e Rebecca para que nossas conquistas continuem sendo regozijadas por todas crianças pretas e faveladas, que suas fantasias sejam em vida e que seus sonhos não sejam interrompidos por uma bala de fuzil.

Eu, Wesley, percebi que Maycon, pai da Rebecca, tem a mesma faixa de idade que eu: 25 anos. Sabemos das estatísticas em relação ao jovem negro nesse país: o que mais é assassinado, o que mais é encarcerado, o que é mais afastado das oportunidades. Nos jogam para a informalidade e a marginalidade, nos invisibilizam e mesmo assim temos construído alternativas para nos mantermos livres e vivos. Assim como eu, assim como Maycon. Mas o Estado deu um jeito de continuar sua política da morte, desta vez através da paternidade, algo muito caro para a masculinidade preta. Maycon perdeu uma filha única (de 7 anos), aos 25. Alexsandro fechou o túmulo de sua filha com suas próprias mãos. Queremos justiça para Emily e Rebecca para que todos os pais pretos e mães pretas tenham direito de ver seus filhos crescendo livres e vivos.

Descobrimos no velório das meninas que Aninha, mãe da Emily, era assistida pelas cestas da campanha de solidariedade do Movimenta Caxias. Nossa sensação é que evitamos que essa família fosse atingida pela fome, para o Estado matá-la de tiro. Ainda neste ano fomos às ruas para declarar “nem de fome, nem de tiro, nem de Covid: o povo negro quer viver”, entendendo as tecnologias que nosso/as ancestrais nos deram de luta: devemos construir diversas frentes na luta pela libertação negra. “Por todos os meios necessários”, como afirmava Malcolm X.

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